Por Percival Puggina
Era uma vez um boneco de sal que, ganhando vida, saiu a caminhar. Foi descobrindo os encantos da natureza, a beleza dos outros seres, a buliçosa energia das cidades, a paz dos campos. Subitamente, do alto de uma colina, avistou enorme vastidão de água. Era o mar. Atraído, andou até a praia e extasiou-se ante a uniforme imensidão que na cadência das ondas se desfazia em espuma e areia. Curioso, perguntou: “Quem és?” E o oceano lhe respondeu: “Vem e vê.” O boneco de sal deu alguns passos em direção ao mar e percebeu que seus pés se diluíam na água. Assustado, voltou a interrogar o oceano e obteve a mesma resposta: “Vem e vê”. Decidido a desvendar o mistério da água, continuou em sua marcha até se desintegrar por inteiro. E o oceano, então ,lhe disse: “Agora sabes quem sou porque fazes parte de mim”.
Desconheço a origem desta fábula, mas lendo comentários onde ela é narrada, fica muito clara a sedução que exerce sobre coletivistas. “Integrar-se ao outro para entendê-lo”, “Ser parte de um todo maior”, “Corrigir o individualismo” são algumas das expressões que suscita. Credo!
Para mim, o boneco de sal, curioso sobre a natureza do mar, é um sinal de alerta, apontando para um dos males que acomete o ser humano, as organizações sociais e as ideologias políticas. Por natureza, somos seres individuais com existência social e ignorar qualquer dessas duas condições costuma dar problema.
Tenho ouvido de pais e mães, insistentes relatos sobre o desarranjo psicológico causado pela integração de seus filhos aos coletivos ideológicos, políticos, ídentitaristas ou partidários que atuam na cadeia produtiva da Educação. Esse sistema de tão maus resultados aferidos pelo Pisa se empenha muito para não perder um único aluno. É contra colégios cívico-militares e contra o homeschooling como foi contra o Escola Sem Partido. Então, todo dia, alguém me escreve: “Perdi meu filho para a universidade tal!”, “Perdi minha filha para o Colégio São Fulano ou para Escola Santa Beltrana”. Inúmeras vezes são, sim, educandários confessionais, universidades pontifícias, tomados por dentro pelos seus “coletivos” – ou serão “coletives”? – onde os estudantes se dissolvem como bonecos de sal.
Alerta aos pais: Acompanhem o estudo e a vida escolar de seus filhos. Não permitam que se despersonalizem a ponto de se tornarem irreconhecíveis. Isso é vendido a eles como libertação, mas é possessão. Os cordéis de tais coletivos são puxados por seguidores de pedagogos e filósofos cujo objetivo era esse mesmo: tomá-los de vocês.
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml