Por Fernanda Estivallet Ritter - Presidente do Instituto de Estudos Empresariais (IEE) e membro do Pensar+ ( artigo publicado na ZH de hoje)
Imagine que os juízes tenham se tornado os astros do campeonato. Em vez de vermos em destaque os nomes dos craques da bola, o que temos são os árbitros nas manchetes dos jornais e da TV. É assim que está, hoje, o país do futebol. Seguindo com o trocadilho, os deputados e senadores seriam os jogadores, e a população seria a torcida.
Os jogadores, que deveriam cobrar o cumprimento das regras pelos árbitros, parece que esqueceram que elas existem. É como se os jogadores concordassem com mudanças nas normas do jogo do dia para a noite, sem saber se isso irá realmente garantir o bom andamento do campeonato, a competitividade e, consequentemente, uma melhor qualidade das partidas para a torcida. Talvez o que esteja em disputa seja uma vaga no próximo torneio, mas isso nunca vamos saber. A verdade é que os jogadores deveriam conhecer as regras e cobrar os árbitros para que as cumprissem, mas não se dão esse trabalho – até porque fica difícil de acompanhar tanta mudança.
Além disso, quem está em campo parece ter esquecido que precisa entregar o melhor para os torcedores, afinal, eles estão ali para representá-los. Passaram-se sete meses do início da competição e a torcida já esqueceu a escalação do seu time e deixou de comparecer ao estádio para exigir bons resultados.
O que a torcida não esquece são os nomes dos juízes. Esses dias, um deles afirmou algo que, se estivesse apitando uma partida de futebol, seria o mesmo que dizer “derrotamos o time que perdeu o campeonato”. Pode juiz declarar que torce contra um clube? Ele garante que foi mal interpretado. Mesmo tendo o VAR para verificar o lance, eles dizem que “não foi bem assim”. Depois, em poucos dias, como um passe de mágica, outro árbitro toma as manchetes para que os torcedores esqueçam a postura inadequada.
Agora, a torcida está com medo de cobrar os jogadores e os juízes pois pode sofrer consequências por isso: xingar o árbitro e demais autoridades virou crime mais hediondo do que o crime hediondo. E quem irá impor as penas serão os próprios juízes.
A torcida não sabe mais o que pode ou não fazer, como será julgada e se terá direito de se defender. Com medo, não vai mais ao estádio. Em um ato racional, os torcedores abrem mão de se manifestar em troca de manter a sua liberdade. A torcida está amedrontada e amordaçada.
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml