Por Marcel van Hattem – publicado na Gazeta do Povo
Não fazia nem duas semanas da vitória de Lula no segundo turno nas eleições e o primeiro “boa sorte” se fazia ouvir dentre aqueles que o apoiaram achando que tudo seria diferente. Henrique Meirelles, ex-presidente do Banco Central no primeiro governo Lula, admitia a investidores que a política econômica do governo que viria em breve a assumir - ou mesmo a falta dela - gerava grande preocupação. Diante do cenário devastador que enxergava à frente, Meirelles preferiu, como a jogadores em um Cassino, apenas desejar um amistoso e enganoso “boa sorte”, afinal, sabemos qual o destino do dinheiro do ludopata.
Pouco mais de um mês depois, ainda algumas semanas antes de Lula assumir, mais um “companheiro" inusitado e com sincero ar de desavisado afirmava: “apoiei Lula, mas agora estou com medo”. Tratava-se de outro ex-presidente do Banco Central, este de FHC: Armínio Fraga. Apesar de demonstrar preocupação com a tremenda irresponsabilidade fiscal petista já àquela altura de dezembro consolidada com a iminência da aprovação da PEC da Gastança, que furou o teto em quase R$ 200 bilhões e eliminou a âncora fiscal da Constituição, Fraga preferiu demonstrar a convicção de quem não quer dar o braço a torcer: “eu apoiei a candidatura do presidente Lula. Foi um apoio, no meu caso, sem qualquer condicionalidade. Eu votei e não me arrependo”. Entretanto, completava: “mas agora estou com medo. (…) O todo é bem preocupante”.
Diante do cenário devastador que enxergava à frente, Meirelles preferiu, como a jogadores em um Cassino, apenas desejar um amistoso e enganoso “boa sorte”, afinal, sabemos qual o destino do dinheiro do ludopata
Desconsideremos aqui os interesses pessoais, vaidades particulares ou rejeições políticas que as manifestações acima possam eventualmente representar. Não é do interesse desse artigo especular sobre eventuais motivações que fizeram um Henrique Meirelles ou um Armínio Fraga apoiar um descondenado por corrupção, que entregou o país a uma sucessora inepta que afundou nossa economia em recessão e, também por isso, acabou sofrendo impeachment por crime de responsabilidade. Minha exploração aqui, mesmo enxuta, pretende ser mais ampla: tanto Meirelles como Fraga representam o recente apagão coletivo que fez milhões de brasileiros se iludirem de que o Lula Paz e Amor de duas décadas atrás seria reeditado - agora, porém, por única e exclusiva vontade do eleitor. Faltou combinar com o eleito.
O Lula Paz e Amor dos anos 2000 foi puro contexto. A postura então conciliadora de Lula foi necessária para a sua primeira vitória após três tentativas como o candidato de esquerda que, apesar do radicalismo (ou por causa dele), quase vencia. O reboco pesado em sua imagem iniciou antes da eleição de 2002 com sua Carta ao Povo Brasileiro e foi detalhadamente moldada por ternos Armani, barba aparada e muito marketing de Duda Mendonça. Hoje, porém, deve estar claro para quem quiser ver: foi pura enganação de quem não tem paz nem amor no seu DNA, nem os tem no programa de sua ideologia marxista.
Consagrado nas urnas, inebriado pelo poder e incensado pelos acólitos de qualquer poderoso no Brasil, Lula decidiu manter no mandato a estratégia de campanha: convidou Henrique Meirelles, deputado federal eleito pelo PSDB de Goiás e banqueiro internacional, para ser seu presidente do Banco Central; Antônio Palocci, então celebrado como o homem do diálogo no PT e seu coordenador de campanha, foi para a Fazenda; e criou uma série de mecanismos institucionais, como o Conselhão, para se aproximar do mercado, além de conceder crédito farto e subsidiado para a iniciativa privada, em especial para os mais próximos.
Lula aliou-se já no início do seu governo ao Centrão, apresentou projetos e PECs polêmicas para a sua base mais radical e viu ser fundado o PSOL a partir da costela do PT: sua nova roupagem light gerou indignação em parte de seus correligionários petistas, o que levou alguns à expulsão por infidelidade, outros à desfiliação. O afastamento dos mais radicais e a aproximação com o establishment permitiu a Lula superar escândalos como o do Mensalão, reeleger-se presidente, eleger e reeleger sua sucessora. Foram quase 14 anos até a queda. E que queda!
O impeachment de Dilma Rousseff, nascido da insatisfação social da classe média que tomava as ruas desde as manifestações de junho de 2013, tornou-se uma bandeira nacional que perpassava classes sociais. Os mais pobres sofriam com o altíssimo desemprego, na casa dos 14 milhões de brasileiros, e com a volta da inflação, a começar nos preços da energia elétrica e dos combustíveis. Os mais ricos, representados no delírio marxista-esquerdista pelos industriais mais do que tudo, decidiram externar sua insatisfação emitindo notas empresariais país afora, auxiliando no financiamento de manifestações populares (que, de fato, pouco careciam de recursos pois, eram espontâneas e absolutamente numerosas) e, claro, colocando um famoso pato amarelo na Avenida Paulista simbolizando graficamente de que lado os empresários estavam - e não era o lado do PT, da Dilma ou do Lula.
Menos de dois anos após o impeachment de Dilma, Lula foi preso em 2018 pela Operação Lava Jato após condenações em série por corrupção e lavagem de dinheiro. Seu algoz mais notório era o juiz da primeira instância que julgava todos os principais suspeitos da bilionária pilhagem à Petrobras, Sérgio Moro. Cortejado pela mídia e idolatrado pelo povo nas ruas, Moro era convidado a um sem número de palestras no Brasil e no exterior, muitas das quais organizadas por quem? Sim, elas de novo, as entidades empresariais.
Eram justamente os mesmos empresários que Lula tanto imaginava ter ajudado década e meia antes, quando assumia o poder. Os mesmos a quem Lula julgava ter aberto tantas portas em governos petistas enquanto via parte da sua base mais radical e fiel torcer o nariz, quando não abandonar o barco, mas que passaram a execrá-lo e finalmente declaravam abertamente aquilo que o PT sempre foi e a Justiça confirmava: uma organização criminosa.
No entanto, quando preso em Curitiba, quem se dispôs a fazer longas vigílias de meses a fio diante da carceragem da Polícia Federal não foi nenhum grande empresário ou banqueiro - ou alguém viu Henrique Meirelles ou Armínio Fraga acampados em Curitiba? Quem gritou a plenos pulmões que “Lula é inocente” e que o impeachment de Dilma foi um golpe foi apenas uma incansável minoria de esquerda - incluindo-se aí os mais radicais comunistas e “companheiros” do PSOL, outrora marginalizados pelos petistas. A quem Lula, agora, será grato?
Esta pergunta deveria ter sido feita antes das eleições, é verdade, por muita gente que se deixou levar pelas emoções ou por falsas narrativas. É tarde para mudar o passado, mas é mais do que hora de refletir o futuro que queremos para o nosso país. Está muito claro que o "Lula Paz e Amor" do marketing de 2002 foi substituído pelo "Lula Ódio e Rancor" de sua própria natureza e DNA, do pós-impeachment e do pós-cadeia. Àqueles que ainda imaginam que Lula possa adotar postura conciliadora e pacificar o país, fica o alerta definitivo: não haverá anistia para quem os petistas identificarem como seus inimigos. E eles, hoje, são quase 100 milhões de brasileiros, incluídos os que anularam seus votos, votaram em branco ou preferiram não comparecer às urnas.
O contexto atual é completamente diferente do contexto dos anos 2000. O PT e Lula, mais do que nunca, são os mesmos de suas origens revolucionárias. Para vingar o passado recente, observamos a volta com força da ideologia marxista aos discursos oficiais, a volta da disseminação do ódio de classes como instrumento de obtenção de poder.
Que aqueles que até outubro passado foram incautos e responsáveis por este cenário trágico não se enganem mais: o PT não tem nenhum compromisso com a “salvação” da democracia brasileira e Lula não voltou para espalhar o amor pelo país. O DNA autoritário petista é justamente aquele que está sendo revelado por Lula em suas diatribes diárias de forma transparente, diante de todos: é feito de ódio e rancor, sentimento contra os quais não há sorte ou medo que possam servir como antídotos. É preciso estratégia, trabalho duro e muita coragem para combater a tirania socialista que avança sobre o nosso país.
Por André Burger - Pensador e economista
As boas práticas e teorias de administração resistem ao teste do tempo. O que é verdadeiro, útil e funciona se incorpora às condutas administrativas das empresas. Em oposição, aquelas que pouco agregam, são dispendiosas, e não se refletem no resultado acabam descartadas.
A criação das partidas dobradas, no século 15, por Luca Pacioli é um bom exemplo. Esse desenvolvimento na forma de contabilização permitiu uma melhoria impressionante na gestão das empresas. Foi tão impactante que gerou uma nova ciência, a contabilidade.
Por outro lado, algumas práticas de gestão se mostraram efêmeras, como reengenharia, terceirização, downsizing. Quando foram divulgadas pareciam ser disruptivas, de tal modo que não se pensaria administrar uma empresa sem elas. Tempo depois, o impacto inicial passou, alguns de seus conceitos foram incorporados, e, hoje, pouco se fala a respeito. Está acontecendo o mesmo com o ESG – Environment, Social and Governance e 2024 foi o ano que saiu de moda.
O ESG surgiu na ONU, em 2004, não dentro das empresas para melhorar seus processos, mas de uma iniciativa do secretário geral, Kofi Annan, ao propor a alguns presidentes de grandes bancos e gestores de fundos que incorporassem nas suas análises de oportunidades fatores ambientais, sociais e de governança. Ou seja, foi a proposta de um burocrata para outros burocratas. Pessoas que não fazem a menor ideia do que seja empreender e administrar uma empresa, principalmente as pequenas e médias. O ESG ganhou força a partir de 2015 com o Acordo de Paris. Novamente mais burocratas dizendo como os negócios deviam ser conduzidos. Assim, se tornou a principal atividade a orientar a administração das empresas, até mesmo em detrimento do velho e bom lucro. O auge do ESG como mantra empresarial aconteceu entre 2019 e 2023.
Diferente de outros modismos administrativos, o ESG, ao impor novas rotinas às empresas, de fato, apenas aumentou os custos: de produção, de contratação de pessoas e equipamentos, de treinamento, de controles, de informação. Isso teve maior impacto nas empresas menores, com menos recursos para gastos além da sua própria atividade operacional. Ora, as empresas para funcionar, em qualquer país, precisam atender a todas as regras e regulamentos criados pelo estado. Essas regras já contemplam as questões ambientais, sociais e de governança. Não se pode abrir uma empresa sem ter as licenças governamentais necessárias. O ESG obriga às empresas a rotinas que vão além daquelas impostas pelo próprio estado.
A difusão dos princípios ESG foi tão vasta que fez agências reguladoras, bancos e fundos de investimento exigir a adoção de medidas consideradas, por eles, boas práticas ESG para se obter licenças de operação, conceder financiamentos ou receber investimentos. Mesmo que tais critérios nunca tenham sido normatizados. Cada um, em cada lugar, diz o que é ser ESG. Isso levou a absurdos como a Americanas, no Brasil, que em seu último relatório anual, antes da descoberta do rombo de R$ 40 bilhões, continha mais informações sobre temas ESG do que sobre a precária situação financeira da companhia. A quebra do Silicon Valley Bank deixou claro o perigo de se preocupar mais com a temática ESG que com o próprio negócio.
A falta de padronização e a subjetividade das métricas ESG o tornam uma prática discricionária que pouco aprimora as rotinas empresariais. Estabeleceram a importância do conceito, no entanto, por ser de difícil mensuração, acaba gerando mais militância ideológica que práticas concretas. Os problemas levantados pelo ESG deveriam ser avaliados e devidamente mensurados, para, então, proporem soluções efetivas e não ideologizadas. A repetição de frases de efeito do tipo: Zero Carbon, Black Lives Matter, No Nukes, We are 99% apenas mobilizam ativistas, mas pouco contribuem para o entendimento do problema e sua solução. A politização do ESG, associado aos pequenos resultados práticos, mostrou que muito da militância, principalmente a corporativa, não passava de estratégias de marketing, greenwashing. Assim, diversas empresas, bancos e gestores de fundo reduziram sua atuação e divulgação sobre como eram politicamente corretos ao praticarem princípios ESG. A redução de U$ 13 bilhões no volume total dos fundos que se denominam ESG nos Estados Unidos, em 2023, comprova que é um tema em decadência.
Felizmente muitos acordaram do sonho ESG e perceberam que na realidade o planeta e as relações humanas estão melhor do que nunca na história humana, apesar dos manifestantes ambientais e sociais gritarem o contrário. A pobreza caiu de forma absoluta a partir da revolução industrial, e segue caindo. Está no nível mais baixo desde sempre. Em 2018, menos de 10% da população mundial vivia em situação de extrema pobreza, quando, até 1820, era de aproximadamente 80%.
Historicamente, seja no Império Romano, nas Civilizações Pré-Colombianas das Américas, no Japão feudal, na China Imperial ou no Renascimento Europeu a taxa de mortalidade infantil girava em torno de 50%. Começou a se reduzir a partir da revolução industrial e chegou a 27% em 1950. Atualmente (2020) está em 4,3%, sendo 14% na Somália e 0,3% no Japão e países escandinavos. A expectativa de vida ao nascer em todas as civilizações era no máximo de 30 anos e só aumentou a partir da revolução industrial. Em 1950, era de 46 anos. Em 2021, a expectativa de vida chegou a 73 anos, tendo como extremo inferior o Chad com 53 anos e o Japão com 85.
A melhoria das condições sanitárias no mundo, em apenas 22 anos, de 2000 a 2022, foi impressionante. Somente 32% da população mundial tinha acesso a saneamento em 2000, e aumentou para 57% em 2022.
Se olharmos as questões de gênero, veremos forte progresso em quase todo o mundo. Um número cada vez maior de países adota legislações que proíbem discriminação por sexo. Eram seis países em 1970 e 161 em 2023. Ou ainda, de apenas dois países que exigiam igualdade salarial para homens e mulheres em 1970 para 97 em 2023.
Pelo lado ambiental, o mundo hoje é proporcionalmente menos poluído que no passado. Até a década de 1990, para termos crescimento econômico per capita tínhamos sempre aumento de emissões de carbono per capita superiores ao crescimento do PIB. A partir de então isso se inverteu como consequência de aprimoramentos tecnológicos que permitiram aumentar a renda individual sem aumentar a emissão de gases de efeito estufa. Ou seja, estamos mais ricos e poluindo menos.
Por outro lado, é notório que aqueles que mais divulgam e defendem os princípios ESG não estão diretamente envolvidos na árdua atividade de empreender. Na sua maioria são técnicos e burocratas de grandes instituições, públicas ou privadas, de diversos setores. É difícil encontrarmos entre os ativistas ESG o dono de uma padaria, de uma pequena metalúrgica ou um agricultor que acorda às 4 da manhã para cumprir sua rotina no campo. Certamente, argumentarão que esses empreendedores não têm tempo, conhecimento e recursos para se preocupar com essa agenda. Então, respondo que o ESG é uma preocupação elitista. Somente os agraciados com determinadas condições veem benefícios nele. Apenas alguns sabem o que é certo e esse saber lhes autoriza impor sua visão a todos os demais na sociedade. Já ouvi isso em outro contexto: socialistas acreditam saber o que é melhor para os outros e tratam de impor suas políticas.
Interessante que o G, governança, raramente era abordado pelos esganiçados militantes ou pelas instituições adeptas ao ESG. De outra forma, temas como corrupção, conflito de interesses e falta de ética não fariam parte apenas dos códigos de conduta que existem somente para cumprir o marketing do politicamente correto. Aliás, muitos dos ferrenhos defensores da agenda ESG são eleitores de corruptos contumazes, um contrassenso em relação às práticas que defendem.
Hoje, 2024, vemos que a moda ESG serviu para que bancos criassem barreiras ao crédito concentrando-o em poucos grandes tomadores, que consultorias de todo o tipo lucrassem com a venda de pacotes para as empresas estarem na moda, que gestores de fundos que identificaram o nicho da sustentabilidade cobrassem taxas de administração maiores e que instituições de ensino e treinamento surfassem esta onda. De efetivo, pouco houve de melhoria nos problemas ambientais, de redução de preconceitos ou da melhoria da governança que o próprio mercado já não estivesse fazendo. Pois foi o livre mercado, no capitalismo, que permitiu a saída da pobreza crônica em que a espécie humana viveu por milênios, que as questões de gênero se reduzissem, que a escravidão fosse abolida e que vivêssemos num planeta mais seguro e com maior expectativa de vida.
O ocaso do ESG foi melancólico. Não houve uma absorção gradual de seus princípios como as outras modas em administração. Nos países onde o discurso ESG era mais forte, mais rapidamente silenciaram. Os países europeus, na sua maioria ciosos da agenda ambiental e social, tão logo chegou o inverno de 2023 e faltou calefação, reabriram as arcaicas minas de carvão, e, do dia para a noite, Greta Thunberg deixou de falar das questões do clima para, errada de novo, se alinhar aos defensores da Palestina livre.
Contudo, a agenda ESG não vai desaparecer, afinal grandes empresas criaram departamentos para isso com diretores e todo um staff. O pior virá daqueles que querem impor procedimentos ESG, além das leis de cada país, para satisfazer questões não definidas e de efetividade discutível. Os viúvos do ESG se voltarão para o mundo político, que, pelos mecanismos democráticos, é quem impõem regras de comportamento à sociedade. Então o ESG sairá do mundo empresarial e passará à esfera política, de onde nunca deveria ter saído. Ao menos poderemos votar sobre uma matéria que estava sendo imposta de cima para baixo por alguns autoproclamados esclarecidos.
Milton Friedman estaria satisfeito, seu artigo, de 1970 no New York Times segue atual.
Nota: Todos os dados estatísticos citados foram obtidos no site “Our World in Data” (https://ourworldindata.org/)