Por Percival Puggina
Hoje, 8 de janeiro de 2024, as lideranças da oligarquia brasileira celebram o dia da “Democracia Inabalada”. A portas fechadas, 500 convidados, sob todos os zelos de segurança relaxados no ano passado, celebram a “democracia” sem povo, dos conciliábulos, dos sigilos, das imagens que somem, dos processos do fim do mundo, das excepcionalidades, dos Che Guevaras de caneta, das Scherezades das mil e uma noites de narrativas sem fim, dos senadores omissos e do vigoroso mercado do voto parlamentar.
Celebram a “democracia” dos corruptos libertos e dos presos políticos, dos mandatos caçados, das inelegibilidades, da intimidade devassada, da censura, dos assuntos proibidos, da insegurança jurídica, da imprensa que engorda no pasto e perdeu até o jeito até de fazer perguntas, e da Constituição transformada em caixa de ferramentas ou lojinha de conveniência.
A Constituição de 1988 criou um presidencialismo de cooptação. Num modelo pluripartidário, é normal nas democracias, especialmente nas parlamentares, o rateio dos cargos de governo entre as legendas da base de apoio. O que não é normal é o rateio geral do Estado, da administração pública, das empresas estatais e por onde quer que a ganância política espiche o olho cobiçoso. Estão comemorando isso também.
Lubrificada em saliva, a palavra “democracia” tem lugar permanente no vocabulário de pessoas públicas, seja como suposto objeto maior de seu zelo, seja como supremo bem das sociedades políticas. Muitas vezes, o orador é um tirano, mas usa e abusa da palavra. O sujeito pode reverenciar os maiores ditadores da história e manter relações afetuosas com os de hoje, mas afirma entreter com a democracia um amor filial. Não dá, não é mesmo?
A democracia pressupõe uma filosofia democrática cujo centro não seja o Estado, ou a classe, ou o partido, ou a pessoa que fala, mas a pessoa humana. Não havendo isso, cabe a contestação frontal: não há democracia sem democratas. Mentes autoritárias ou totalitárias não promovem uma democracia nem se lhes for dado manual completo de instruções.
João Camilo de Oliveira Torres ensinou em Harmonia Política (1961): “democracia é o Estado em que todos os poderes estão sujeitos à Lei e que tem como fundamento e condições para exercício o consentimento dos cidadãos, como finalidade, o bem comum do povo e como limite, os direitos fundamentais do homem”.
O Brasil tornou-se, claramente, uma oligarquia. Mas não prevalecerão!
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml