Por
J.R. Guzzo - publicado na GAzeta do Povo
O ministro Alexandre de Moraes, no exercício de suas funções como chefe do inquérito policial criado há quatro anos para investigar supostas atividades contra o Estado de Direito no Brasil, suspendeu as contas bancárias da filha de um dos investigados, o jornalista Oswaldo Eustáquio – que há um ano buscou asilo no exterior.
A menina tem 15 anos de idade. No momento, está sem dinheiro para pagar o lanche dos irmãos menores na escola. As contas de sua mãe, naturalmente, também estão congeladas, de maneira que ela está sem nenhuma fonte de renda – pois a remuneração e os bens do seu pai, é claro, estão bloqueados desde o começo. É um momento de pura e simples barbárie – um dos piores na escalada de destruição da lei e dos direitos individuais que o Supremo Tribunal Federal conduz atualmente no Brasil.
Não se trata, absolutamente, de discutir Eustáquio, ou que ele fez. O escândalo é o que estão fazendo com a sua filha. Ela não cometeu infração nenhuma. É menor de idade e, por lei, teria de contar com a proteção da autoridade pública – e não estar sendo perseguida pela Suprema Corte de Justiça da República. Mais: um dos princípios mais elementares da lei, no Brasil e em qualquer democracia, é que os efeitos das ações do infrator não podem jamais se estender à sua família. Punir os filhos pelos atos dos pais, ou vice-versa, é coisa que só se faz hoje na Coreia do Norte e em outros infernos da tirania mundial. É onde nos levou a conduta policial do STF: nosso sistema de justiça, agora, tem semelhanças com o Judiciário norte-coreano.
O motivo apresentado para se fazer o bloqueio da conta é uma agressão à lógica comum. O ministro Moraes diz que a conta da garota está servindo de “escudo” para as atividades “antidemocráticas” do pai. Quais são essas atividades? O inquérito não consegue, objetivamente, descrever uma única delas. Eustáquio, por sinal, não foi condenado até agora por nada; o próprio Moraes escreve que há apenas “fortes indícios” contra ele. Se não há atividade criminal definida, como poderia haver “escudo”? A conta não é escudo de coisa nenhuma – é apenas um meio para a menina manter-se viva. No entendimento do STF, porém, o dinheirinho do lanche vira uma ameaça à democracia brasileira.
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml