Por Paulo Rabello de Castro - Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 11/03/2023.
Matérias técnicas e, por natureza, complexas exigem exame aprofundado e testes sucessivos antes de uma aprovação. Vacinas são um bom exemplo recente. Todo cuidado foi pouco – e muitos ensaios prévios foram necessários – antes de se aprovar a vacina da COVID para uso geral da população. E os estudos ainda continuam. Mas, tragicamente, estamos para votar no Congresso um texto que muda os atuais tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) – matéria complicada e cheia de meandros – sem os mínimos cuidados de verificação antecipada das consequências dessa mudança para um imposto geral chamado IBS (Bens e Serviços) e mais um imposto “seletivo”. Se você quiser saber quais testes foram feitos para estudar os impactos que essa troca acarretará, a resposta espantosa é: Não há testes!
A proposta em discussão no Congresso está nas chamadas PECs 45 e 110, dois textos que reformam a tributação de tudo que você paga em qualquer transação comercial, seja uma compra em supermercado ou loja de construção, ou pelos serviços médicos, pela escola, na passagem de ônibus, na conta de luz, no posto de combustíveis etc. Em tese, a ideia é boa porque os tributos atuais são demasiados e com, pelo menos, 5600 leis diferentes. Vivemos num manicômio tributário. Daí o Congresso ter criado, anos atrás, um SIMPLES, que é a mesma tributação do manicômio, só que menos complicada e se pagando tudo num único boleto. Simplificar a vida do contribuinte, tornando a arrecadação mais eficiente, são objetivos corretos de uma “boa reforma tributária”. Isso é urgente.
O diabo mora nos detalhes: como chegar a uma fórmula simples, que não deixe prefeitos e governadores sem as receitas esperadas e que não signifique, na troca de tributos, que haverá grupos de pessoas, ou atividades econômicas, pagando muito mais do que antes. A boa reforma tem que partir de uma neutralidade e equidistância social em relação às situações vigentes, pois, caso contrário, os eventuais perdedores iriam se insurgir contra a mudança. Esse é um ponto-chave do sucesso de uma boa reforma, que as tais PECs 45 e 110 fazem questão de não observar. De fato, as propostas do governo fazem o contrário: propõem aumentar o custo tributário da cesta básica em mais de 60%, como também, em proporções parecidas, os tributos sobre remédios, médicos e hospitais, cursos e escolas, corte de cabelo, manicure, advogados, e até em transações de carros e motos usados, terrenos e casas. O diabo está escondido por trás de uma narrativa fake de que todos ganharão com a mudança quando todos pagarem a mesma e única alíquota de 25% ou mais (não se sabe ainda qual…) independente de a compra ser a de um carrinho de supermercado ou uma bolsa Louis Vuitton no shopping mais chique de São Paulo.
Os inventores dessa atrocidade tentam tratar, de modo igual, coisas e situações essencialmente desiguais, atropelando princípios, até constitucionais, como a chamada “essencialidade”. Mas o diabo é sincero. Reconhecendo que a população mais pobre vai levar a pior com o aumento brutal de tudo que entra no seu orçamento, a proposta do governo, que se diz popular e sensível com as dificuldades do povo, é fazer um cheque “devolvendo” o tributo de quem não poderia arcar com uma sobrecarga de até 30% nas suas compras. O governo em Brasília dirá quem pode receber a devolução. Mas por que esse passeio de tributos para dentro e para fora dos cofres do governo? Serão milhões de brasileiros correndo atrás de mais uma “bondade” oficial, mais uma devolução, mais uma assistência, como se o País só tivesse desvalidos. O lugar de fazer os ricos e abastados pagarem mais não é no supermercado ou no salão de beleza, mas no imposto de renda, cuja reforma, por sinal, o governo deixou pra lá…
Os problemas das PECs das arábias não param de ser desvendados. O período de “transição” da tal reforma, previsto para durar dez anos, é uma dessas bombas: os tributos antigos ainda existirão, enquanto os tributos novos estarão também em vigor por até dez anos! O inferno vai se instalar nos escritórios de contabilidade, hoje já assoberbados por milhares de leis e decretos diferentes. As infrações fiscais vão se avolumar com dois sistemas tributários distintos funcionando lado a lado (a maluquice programada). Multas e ações contra o contribuinte vão se empilhar na porta das empresas. É previsível que, à vista do pandemônio fiscal, o Congresso faça o que fez com a CPMF, votando, no futuro, para extinguir a invenção malfadada.
Está mais do que na hora de a sociedade, especialmente o empresariado, os líderes políticos de estados e municípios, pararem um minuto para pensar no que estão deixando seus representantes aprovar nos próximos dias. Uma vez instalado e morando de favor, o diabo não costuma gostar de ser expulso da casa.
Por André Burger - Pensador e economista
As boas práticas e teorias de administração resistem ao teste do tempo. O que é verdadeiro, útil e funciona se incorpora às condutas administrativas das empresas. Em oposição, aquelas que pouco agregam, são dispendiosas, e não se refletem no resultado acabam descartadas.
A criação das partidas dobradas, no século 15, por Luca Pacioli é um bom exemplo. Esse desenvolvimento na forma de contabilização permitiu uma melhoria impressionante na gestão das empresas. Foi tão impactante que gerou uma nova ciência, a contabilidade.
Por outro lado, algumas práticas de gestão se mostraram efêmeras, como reengenharia, terceirização, downsizing. Quando foram divulgadas pareciam ser disruptivas, de tal modo que não se pensaria administrar uma empresa sem elas. Tempo depois, o impacto inicial passou, alguns de seus conceitos foram incorporados, e, hoje, pouco se fala a respeito. Está acontecendo o mesmo com o ESG – Environment, Social and Governance e 2024 foi o ano que saiu de moda.
O ESG surgiu na ONU, em 2004, não dentro das empresas para melhorar seus processos, mas de uma iniciativa do secretário geral, Kofi Annan, ao propor a alguns presidentes de grandes bancos e gestores de fundos que incorporassem nas suas análises de oportunidades fatores ambientais, sociais e de governança. Ou seja, foi a proposta de um burocrata para outros burocratas. Pessoas que não fazem a menor ideia do que seja empreender e administrar uma empresa, principalmente as pequenas e médias. O ESG ganhou força a partir de 2015 com o Acordo de Paris. Novamente mais burocratas dizendo como os negócios deviam ser conduzidos. Assim, se tornou a principal atividade a orientar a administração das empresas, até mesmo em detrimento do velho e bom lucro. O auge do ESG como mantra empresarial aconteceu entre 2019 e 2023.
Diferente de outros modismos administrativos, o ESG, ao impor novas rotinas às empresas, de fato, apenas aumentou os custos: de produção, de contratação de pessoas e equipamentos, de treinamento, de controles, de informação. Isso teve maior impacto nas empresas menores, com menos recursos para gastos além da sua própria atividade operacional. Ora, as empresas para funcionar, em qualquer país, precisam atender a todas as regras e regulamentos criados pelo estado. Essas regras já contemplam as questões ambientais, sociais e de governança. Não se pode abrir uma empresa sem ter as licenças governamentais necessárias. O ESG obriga às empresas a rotinas que vão além daquelas impostas pelo próprio estado.
A difusão dos princípios ESG foi tão vasta que fez agências reguladoras, bancos e fundos de investimento exigir a adoção de medidas consideradas, por eles, boas práticas ESG para se obter licenças de operação, conceder financiamentos ou receber investimentos. Mesmo que tais critérios nunca tenham sido normatizados. Cada um, em cada lugar, diz o que é ser ESG. Isso levou a absurdos como a Americanas, no Brasil, que em seu último relatório anual, antes da descoberta do rombo de R$ 40 bilhões, continha mais informações sobre temas ESG do que sobre a precária situação financeira da companhia. A quebra do Silicon Valley Bank deixou claro o perigo de se preocupar mais com a temática ESG que com o próprio negócio.
A falta de padronização e a subjetividade das métricas ESG o tornam uma prática discricionária que pouco aprimora as rotinas empresariais. Estabeleceram a importância do conceito, no entanto, por ser de difícil mensuração, acaba gerando mais militância ideológica que práticas concretas. Os problemas levantados pelo ESG deveriam ser avaliados e devidamente mensurados, para, então, proporem soluções efetivas e não ideologizadas. A repetição de frases de efeito do tipo: Zero Carbon, Black Lives Matter, No Nukes, We are 99% apenas mobilizam ativistas, mas pouco contribuem para o entendimento do problema e sua solução. A politização do ESG, associado aos pequenos resultados práticos, mostrou que muito da militância, principalmente a corporativa, não passava de estratégias de marketing, greenwashing. Assim, diversas empresas, bancos e gestores de fundo reduziram sua atuação e divulgação sobre como eram politicamente corretos ao praticarem princípios ESG. A redução de U$ 13 bilhões no volume total dos fundos que se denominam ESG nos Estados Unidos, em 2023, comprova que é um tema em decadência.
Felizmente muitos acordaram do sonho ESG e perceberam que na realidade o planeta e as relações humanas estão melhor do que nunca na história humana, apesar dos manifestantes ambientais e sociais gritarem o contrário. A pobreza caiu de forma absoluta a partir da revolução industrial, e segue caindo. Está no nível mais baixo desde sempre. Em 2018, menos de 10% da população mundial vivia em situação de extrema pobreza, quando, até 1820, era de aproximadamente 80%.
Historicamente, seja no Império Romano, nas Civilizações Pré-Colombianas das Américas, no Japão feudal, na China Imperial ou no Renascimento Europeu a taxa de mortalidade infantil girava em torno de 50%. Começou a se reduzir a partir da revolução industrial e chegou a 27% em 1950. Atualmente (2020) está em 4,3%, sendo 14% na Somália e 0,3% no Japão e países escandinavos. A expectativa de vida ao nascer em todas as civilizações era no máximo de 30 anos e só aumentou a partir da revolução industrial. Em 1950, era de 46 anos. Em 2021, a expectativa de vida chegou a 73 anos, tendo como extremo inferior o Chad com 53 anos e o Japão com 85.
A melhoria das condições sanitárias no mundo, em apenas 22 anos, de 2000 a 2022, foi impressionante. Somente 32% da população mundial tinha acesso a saneamento em 2000, e aumentou para 57% em 2022.
Se olharmos as questões de gênero, veremos forte progresso em quase todo o mundo. Um número cada vez maior de países adota legislações que proíbem discriminação por sexo. Eram seis países em 1970 e 161 em 2023. Ou ainda, de apenas dois países que exigiam igualdade salarial para homens e mulheres em 1970 para 97 em 2023.
Pelo lado ambiental, o mundo hoje é proporcionalmente menos poluído que no passado. Até a década de 1990, para termos crescimento econômico per capita tínhamos sempre aumento de emissões de carbono per capita superiores ao crescimento do PIB. A partir de então isso se inverteu como consequência de aprimoramentos tecnológicos que permitiram aumentar a renda individual sem aumentar a emissão de gases de efeito estufa. Ou seja, estamos mais ricos e poluindo menos.
Por outro lado, é notório que aqueles que mais divulgam e defendem os princípios ESG não estão diretamente envolvidos na árdua atividade de empreender. Na sua maioria são técnicos e burocratas de grandes instituições, públicas ou privadas, de diversos setores. É difícil encontrarmos entre os ativistas ESG o dono de uma padaria, de uma pequena metalúrgica ou um agricultor que acorda às 4 da manhã para cumprir sua rotina no campo. Certamente, argumentarão que esses empreendedores não têm tempo, conhecimento e recursos para se preocupar com essa agenda. Então, respondo que o ESG é uma preocupação elitista. Somente os agraciados com determinadas condições veem benefícios nele. Apenas alguns sabem o que é certo e esse saber lhes autoriza impor sua visão a todos os demais na sociedade. Já ouvi isso em outro contexto: socialistas acreditam saber o que é melhor para os outros e tratam de impor suas políticas.
Interessante que o G, governança, raramente era abordado pelos esganiçados militantes ou pelas instituições adeptas ao ESG. De outra forma, temas como corrupção, conflito de interesses e falta de ética não fariam parte apenas dos códigos de conduta que existem somente para cumprir o marketing do politicamente correto. Aliás, muitos dos ferrenhos defensores da agenda ESG são eleitores de corruptos contumazes, um contrassenso em relação às práticas que defendem.
Hoje, 2024, vemos que a moda ESG serviu para que bancos criassem barreiras ao crédito concentrando-o em poucos grandes tomadores, que consultorias de todo o tipo lucrassem com a venda de pacotes para as empresas estarem na moda, que gestores de fundos que identificaram o nicho da sustentabilidade cobrassem taxas de administração maiores e que instituições de ensino e treinamento surfassem esta onda. De efetivo, pouco houve de melhoria nos problemas ambientais, de redução de preconceitos ou da melhoria da governança que o próprio mercado já não estivesse fazendo. Pois foi o livre mercado, no capitalismo, que permitiu a saída da pobreza crônica em que a espécie humana viveu por milênios, que as questões de gênero se reduzissem, que a escravidão fosse abolida e que vivêssemos num planeta mais seguro e com maior expectativa de vida.
O ocaso do ESG foi melancólico. Não houve uma absorção gradual de seus princípios como as outras modas em administração. Nos países onde o discurso ESG era mais forte, mais rapidamente silenciaram. Os países europeus, na sua maioria ciosos da agenda ambiental e social, tão logo chegou o inverno de 2023 e faltou calefação, reabriram as arcaicas minas de carvão, e, do dia para a noite, Greta Thunberg deixou de falar das questões do clima para, errada de novo, se alinhar aos defensores da Palestina livre.
Contudo, a agenda ESG não vai desaparecer, afinal grandes empresas criaram departamentos para isso com diretores e todo um staff. O pior virá daqueles que querem impor procedimentos ESG, além das leis de cada país, para satisfazer questões não definidas e de efetividade discutível. Os viúvos do ESG se voltarão para o mundo político, que, pelos mecanismos democráticos, é quem impõem regras de comportamento à sociedade. Então o ESG sairá do mundo empresarial e passará à esfera política, de onde nunca deveria ter saído. Ao menos poderemos votar sobre uma matéria que estava sendo imposta de cima para baixo por alguns autoproclamados esclarecidos.
Milton Friedman estaria satisfeito, seu artigo, de 1970 no New York Times segue atual.
Nota: Todos os dados estatísticos citados foram obtidos no site “Our World in Data” (https://ourworldindata.org/)