Por Percival Puggina
As formas de vida que se desenvolvem no ecoambiente do Estado brasileiro se nutrem da crença em suas narrativas, como Lula ensinou a Nicolás Maduro. Quanto maior o número de crentes, melhor a vida no ecoambiente estatal.
A difícil tarefa exige um imenso, oneroso e multiforme aparato, quase do tamanho daquele que afirmavam ter operado em favor do governo Bolsonaro. O fato de tantos haverem acreditado em sua existência demonstra que o aparelho petista é extremamente eficiente, capaz de criar um fato a partir de nada. Dezenas de milhões de brasileiros viveram e vivem num mundo de “faz de conta” onde o ex-presidente, apesar de pouco gastar em publicidade oficial e ter, por isso, toda imprensa contra si, comandaria esse gabinete que ninguém jamais viu. Fazer de conta é o nome do jogo.
Fazem de conta que o comunismo não existe e que as relações de Lula com governos de extrema-esquerda são um delírio da ultradireita fascista. Como consequência, o governo Lula pressiona para entregar o Brasil aos indígenas, desacreditando o direito à propriedade privada, a segurança jurídica e a Constituição vai para as urtigas com a mãozinha dos “progressistas”.
Fazem de conta que os professores têm direito de expressar suas opiniões políticas além da mesa do bar, levando-as para a sala de aula e influenciando os alunos, abusando de sua autoridade porque essa é a melhor parte do aparelho que calcifica a pobreza sem a qual murcham exangues as formas de vida em torno do Estado.
Fazem de conta que Paulo Freire foi um gênio, que não reverenciava tiranos de esquerda em seus livros, que sua pedagogia libertadora realmente liberta, que os dedicados e militantes professores que o têm como referência merecem o apoio das comunidades interessadas no seu desenvolvimento econômico e social. Fazem de conta que o produto do sistema educacional brasileiro não se mede em conhecidos e pífios resultados que decaem ao ponto de derrubar o QI médio da população. O petismo militante em sala de aula emburrece o Brasil. Mas fazem de conta que não.
Fazem de conta que em 8 de janeiro de 2023, um domingo de recesso geral das instituições, na ausência dos objetos da ação golpista e de qualquer liderança conhecida, pessoas desarmadas promoveram uma tentativa de abolição violenta do Estado Democrático de Direito, em sessão única, no período das 15h às 17h. Fazem de conta que a excepcionalidade do momento beatificou todas as exceções ao devido processo e aos direitos individuais no decurso dos últimos meses.
Fazem de conta que a democracia foi salva e permaneceu inabalada em que pesem a surdez à voz das ruas, a omissão do Senado Federal, os maus tratos dedicados à oposição em forma de censura, supressão de direitos, cassação de mandatos e imposição de inelegibilidades.
Fazem de conta que bandido não virou herói e que herói não virou bandido.
Enfim, faça sua lista. E faça de conta que não estão de brincadeira com você.
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml