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RETROCESSO À VISTA? - 25.02.21


 

por Fernando Schüler, publicado na Gazeta do Povo

 

 

Fazia um bom tempo que não se falava sobre reforma política em Brasília. Por estes dias voltou-se a falar. Arthur Lira criou um grupo de trabalho para reformar as regras eleitorais, e temas mais amplos entraram na pauta, como a revisão da cláusula de desempenho e da vedação a coligações nas eleições proporcionais.

 

A notícia preocupa. O país fez uma minirreforma eleitoral em 2017, proibindo coligação nas proporcionais e instituindo uma cláusula de barreira progressiva. Começou no ano passado, com a exigência de 1,5% dos votos válidos ou nove deputados eleitos em um mínimo de nove estados, e vai até 2030, com a exigência de um mínimo de 3% dos votos ou 15 eleitos.

 

A pergunta que surge: há algo que justifique interromper o processo no meio do caminho? Alguma coisa deu errado ou é só a reclamação dos partidos que não cumpriram as exigências da cláusula ou estão com medo de não cumprir?

 

Nosso festival de partidos, com honrosas exceções, é uma resposta artificial aos incentivos do próprio sistema (fundos, tempo de tevê etc.) e se mostra como um conjunto vazio de ideias

 

O fato é que as medidas da minirreforma vêm dando certo. Diria que é uma das raras reformas institucionais que o país conseguiu fazer nos últimos anos, com resultados inequivocamente positivos. Nove dos 30 partidos que elegeram deputados em 2018 não cumpriram a cláusula e perderam o acesso ao Fundo Partidário e tempo de televisão.

 

Algum problema nisso? Na minha visão, nenhum. Nos 15 anos após as eleições de 1998, nossa fragmentação partidária cresceu 62%. Entre 1986 e 2018, fomos de 12 para 30 partidos na Câmara. Tornamo-nos o país com a maior fragmentação partidária do planeta.

 

Resultado? Mais dificuldade de formação de consensos e tomada de decisão, no Congresso. Nos dois governos de FHC, os quatro maiores partidos da Câmara formavam quórum para aprovar emendas à Constituição (310 e 347, em cada mandato); no governo Bolsonaro, os quatro maiores partidos somam 187 deputados, muito abaixo da maioria requerida para projetos de lei.

 

Se a fragmentação partidária expressasse diversidade de visões programáticas em um país continental e complexo, como o Brasil, haveria ali alguma virtude. Não é o caso. Nosso festival de siglas, com honrosas exceções, é uma resposta artificial aos incentivos do próprio sistema (fundos, tempo de tevê etc.) e se mostra como um conjunto vazio de ideias.

 

Outro sinal positivo da minirreforma de 2017 veio das recentes eleições municipais. Nas cidades com até 20 mil habitantes (mais de dois terços dos municípios), o número efetivo de partidos nas câmaras de vereadores caiu de 5,1 para 3,5. O mesmo não ocorreu nas cidades de grande porte, ainda que que se tenha estancado o aumento da fragmentação. E casos extremos ainda se verificam, como na Câmara de Vitória, onde 13 partidos ocupam as 15 cadeiras do Legislativo municipal.

 

A melhor solução para este problema viria de uma ideia discutida há muito, no país: a migração do sistema eleitoral para o modelo distrital misto. O sistema cria um claro incentivo à aglutinação partidária ao tornar majoritária a escolha de parte das vagas ao parlamento. Ele facilita a comparação de programas e focaliza a representação parlamentar, fazendo com que a comunidade saiba quem a representa e vice-versa. De quebra, reduz custos de campanha e a influência do dinheiro nas eleições.

 

Arthur Lira faria história se levasse à frente esta ideia, em vez de fazer o país olhar pelo retrovisor. Como inspiração, poderia prestar atenção à reforma feita pela Nova Zelândia, no início dos anos 90, em que um conjunto de modelos eleitorais, definidos pelo parlamento, foram submetidos a plebiscito. Isto permitiu um amplo debate nacional sobre a qualidade da representação política e sua repactuação. Vamos lembrar que nossa fórmula republicana e presidencialista foi objeto de consulta direta, em 1993, mas não o sistema eleitoral. Há mecanismos na Constituição que facultam esta opção, e talvez tenha chegado a hora de pensar sobre isto.

 

De qualquer modo, fica o alerta. O maior erro seria jogarmos pela janela os avanços que tivemos com a minirreforma de 2017. Se for para mudar, o melhor é andar para frente, não para trás.


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A CULPA PELO PREÇO ELEVADO DOS COMBUSTÍVEIS NÃO É SÓ DA PETROBRÁS - 23.02.21


 

Por J.R. Guzzo, texto publicado na Gazeta do Povo

 

Carga tributária sobre os combustíveis pesa no bolso do consumidor e alimenta o alto custo do serviço público brasileiro.| Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná

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A demissão do presidente da Petrobras passou sem fazer muito barulho; aconteceu bem no meio da baderna judicial e legislativa em torno da prisão do deputado Daniel Silveira, e ninguém chegou a prestar muita atenção.

 

Ficou parecendo, até, que o governo aproveitou a gritaria e se livrou não do problema real que tem diante de si com os preços dos combustíveis, e sim do homem que o presidente Jair Bolsonaro escolheu como o culpado de tudo. Nada como um bom bode expiatório quando você não sabe resolver uma dificuldade e quer dar ao povo a impressão de que está “fazendo alguma coisa”.

 

A troca na Petrobras é um desastre não apenas porque a administração pública perde o excelente trabalho que vinha sendo feito há dois anos pelo presidente demitido, Roberto Castello Branco. Pior ainda que isso, a decisão mostra que o governo abandonou as motivações técnicas e decidiu fazer política com o preço do diesel e da gasolina.

 

Bolsonaro acha que o preço dos combustíveis é fruto de desejos da diretoria da Petrobras, e não das variações do mercado internacional de petróleo; também parece achar que a política energética do Brasil deve ser feita pelos caminhoneiros. Não se pode esperar nada de bom disso aí.

 

O episódio comprova, mais uma vez, uma doença sem cura dos governos brasileiros: a incapacidade de aceitar as realidades econômicas quando se trata de combustível, e o uso dos preços para turbinar a sua popularidade nas pesquisas de opinião. O preço do tanque é um desses problemas que todo mundo percebe na hora, sobretudo os motoristas de caminhão. O poder público, incapaz de aguentar o tranco e assumir as responsabilidades que lhe cabem, fica imediatamente nervoso quando o custo aumenta – e corre para “baixar o preço”.

 

O governo, o mundo político e o resto da turma que manda agem, com hipocrisia histórica, como se a Petrobras fosse a única responsável pelo preço dos combustíveis. O monopólio da estatal é um atraso de vida, sem dúvida, mas na hora de encarar o problema ninguém diz – embora todos saibam muito bem – que o preço mostrado na bomba de diesel ou de gasolina é apenas a consequência matemática dos impostos de agiota cobrados do cidadão quando ele abastece seu carro, caminhão ou moto.

 

Ao todo, a cada real pago pelo consumidor, cerca de 45% vão direto para o bolso dos governos na forma de impostos de várias naturezas – sem esse dinheiro todo, como pagar a lagosta dos ministros do STF, os planos médicos das estatais e os salários de sultão do altíssimo funcionalismo público?

 

O governo nem sonha em diminuir os impostos sobre a gasolina, como não sonha em diminuir os impostos da conta de luz ou do celular – são coisas das quais o cidadão não tem como fugir, e nada deixa o poder público tão feliz quanto ver o cidadão indefeso diante de um imposto. Mesmo que sonhasse em fazer alguma coisa, estaria apenas perdendo seu tempo: o Supremo, o Congresso, a OAB e o resto jamais permitiriam que “o Estado” brasileiro recebesse um tostão a menos, porque jamais aceitariam reduzir um tostão daquilo que gastam.

 

 

 


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EXCEÇÕES CRIAM REGIMES DE EXCEÇÃO - 19.02.21


 

por Percival Puggina
 
         Faltou apenas o chargista. O plenário do STF, se desenhada sua decisão, mandou o deputado Daniel Silveira para a cadeia de modo cesáreo, virando os polegares para baixo. Ninguém esperava, é claro, que o voto do relator pela manutenção da prisão fosse de gravar no mármore das mais nobres cortes. Mas tampouco se esperava o que veio: um amontoado de motivos por falta de razões de Direito.

         Não aprovo os modos do parlamentar a quem jamais vi. Congressista boquirroto, contudo, não deixa de ser congressista. Deputado malcriado, desaforado, preserva suas prerrogativas. Ministros do STF, boquirrotos e desaforados, não deixam de ser ministros. O caminho natural dos excessos de parlamentares é a Comissão de Ética; dos ministros, é o Senado Federal. Para uma Corte tão liberal em soltar presos condenados por crimes reais contra a nação, a prisão do referido parlamentar soa como vendeta.

Embora tendo tido o privilégio de desfrutar, nos últimos anos de sua vida, da amizade e consideração do ex-ministro Jarbas Passarinho, discordo de meu saudoso amigo em relação ao AI-5. Talvez tenha, eu, uma visão parecida com a do deputado em relação a 1964. Mas em que sentido estes temas podem entrar numa decisão sobre prisão preventiva, exceto para revelar preconceitos ideológicos do juiz de acusação (existe essa figura no Direito brasileiro?). Como justificar que até mesmo a perspectiva desde a qual o deputado vê fatos da nossa história tenham entrado no voto do ministro relator? Parece que quem expressa tal visão do AI-5 e dos acontecimentos de 1964 não pode, mesmo, andar solto no país comandado pelo STF. Quero dizer: no país do STF formado ao tempo da hegemonia esquerdista.
*Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, site de Puggina.org.

         Se um professor pode criar narrativas históricas por interesses políticos e ideológicos em nome do direito de opinião e das prerrogativas da cátedra, muito maiores e mais legítimas são as prerrogativas constitucionais dos membros do Congresso Nacional.  

         O ex-deputado Roberto Jefferson, mensaleiro no primeiro mandato de Lula, levou apenas três minutos para demolir a tese da suposta “prisão em flagrante”, por mandado, no recinto do lar, em horário noturno, tendo o vídeo postado no YouTube como elemento sempre atual do crime praticado. Deputado só pode ser preso em flagrante por crime inafiançável. A tese então, unanimemente acolhida pela Corte, como bem apontou Roberto Jefferson, foi a do “flagrante perenemente possível” para autor de qualquer texto, fala ou imagem que, sendo objeto de publicação, exiba conteúdo considerado criminoso.  

         A decisão unânime de ontem tem a mesma elasticidade daquela, anterior, que transformou o território nacional em “sede ou dependência do STF” para justificar a criação do chamado Inquérito do Fim do Mundo. Conforme foi então decidido, crimes contra ministros, embora cometidos desde o leito do rio Purus, de dentro d’água, numa canoa, são entendidos como ocorrências na sede ou dependências do Tribunal. Aplicam-se, então, a tais crimes, os procedimentos que o sentir do mundo jurídico brasileiro repele.

         Assim, de elasticidade em elasticidade, de jeitinho em jeitinho, de engenhoca em engenhoca, os críticos dos regimes de exceção vão criando seu próprio regime de exceção.


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Rawls em tempo de barricadas - 16.02.2021


por Fernando Schuller

 

Imagine o seguinte: você é convidado a decidir sobre os princípios que irão organizar a sociedade. Direitos, liberdades, igualdade, o que for. Você tem ampla informação sobre economia e as motivações humanas. Só não sabe quem você é. Não sabe se é homem ou mulher, rico ou pobre, religioso ou ateu. Se é um jogador audacioso, como Elon Musk, ou alguém avesso ao risco. Nestas condições, que tipo de princípios de justiça você escolheria?

 

Este desafio atiçou a imaginação de gerações de estudantes de filosofia e politica, no último meio século. John Rawls o chamou de escolha sob o véu da ignorância. Foi um dos pontos de partida de sua obra monumental, “Uma Teoria da Justiça”, lançada nos inícios de 1971, e que por estes dias completa seu cinquentenário.

 

A resposta dada por Rawls tornou-se ponto de referência para o debate liberal. Ele diz que, naquelas condições de incerteza, trataríamos primeiro de assegurar liberdades básicas para todos. Em segundo lugar, uma base de oportunidades iguais para cada um. E por fim, admitiríamos desigualdades econômicas, desde que elas produzissem maiores vantagens aos grupos sociais menos favorecidos, ao longo do tempo.

 

Rawls formulou sua tese em um mundo muito diferente do nosso. Eram os anos 60, época dos direitos civis e da “grande sociedade”, de Lyndon Johnson. Os anos pós-Rawls foram marcados pela explosão da riqueza em um mundo globalizado, pela integração planetária produzida pela internet, pelo redução da pobreza global, ainda que às custas da explosão da desigualdade em muitas regiões do mundo.

 

A pergunta óbvia: sua teoria prossegue válida, nos tempos atuais? Muita gente acha que não. “Vivemos em um mundo de barricadas”, dizia um interlocutor cético, para que a ideia de um consenso liberal em torno de normas de justiça não é mais que uma quimera.

 

Para muitos, como Charles Mills, professor da Universidade de Nova Iorque e autor de “O contrato racial”, é simplesmente “bizarra” a idealização gentil da “sociedade como empreendimento cooperativo para benefício mútuo”. Espécie de “ignorância branca” sobre um mundo feito de exclusões e exige soluções bastante mais radicais.

 

Há quem sustente o contrário. Que o argumento de Rawls permanece mais vivo do que nunca. Por muitas razões. Uma delas define sua teoria como um convite à humildade. Em um mundo marcado pelas cisões de identidades e pela guerra cultural, é ainda mais atual uma visão que nos lembra sobre os limites do contrato político.

 

Vai aí a primeira grande lição de Rawls: somos uma sociedade irremediavelmente cindida por um conflito ético, em sentido amplo, e neste terreno simplesmente não há acordo possível. Temas envolvendo religião e crenças morais arraigadas sobre sexualidade ou o sentido da família. Muitos deles nos dividem hoje mais do que há trinta anos, e surgem no espaço público com velocidade e intensidade inéditas. Eles não serão objeto de consenso algum visto que somos uma grande sociedade aberta, não uma comunidade.

 

O acordo possível se dá no terreno da política. E neste sentido o experimento de “desenraizamento” que ele nos propõe, ainda que difícil e por vezes irritante, permanece perfeitamente válido.

Uma segunda lição de Rawls diz respeito à justiça econômica. Seu ponto é defender o que chama de “principio da diferença”. Um trade-off: aceita-se a desigualdade econômica, dentro de certos parâmetros, desde que todos os botes subam com a maré. Isto é: o arranjo escolhido deve ser o melhor, dentre as alternativas viáveis, para os menos favorecidos.

 

Aqui é preciso evitar alguns equívocos de interpretação. Li em um artigo recente que Rawls aceitaria alguma “recompensa extra aos superprodutivos”, mas vetaria coisas como um contrato milionário de Lionel Messi (fiquei imaginando o que dizer da fortuna de Jeff Bezos e outros tantos).

 

Completo equívoco. Sua teoria não diz respeito a esta ou aquela transação econômica. Não importa o salário deste ou daquele jogador, ou a rentabilidade de uma empresa, desde que o arranjo econômico, isto é, as instituições atendam ao critério ético. Rawls chegou a dizer que gostaria de ver seu princípio da diferença como um preâmbulo da Constituição. Um fim civilizatório, que diz respeito à continua abertura de oportunidades aos desfavorecidos pelas circunstâncias sociais, e não uma teoria mesquinha sobre o quanto cada um pode ganhar.

 

A justiça, dizia ele, não exige conformidade à qualquer “padrão observável” de igualdade. Ou grau de desigualdade que possa ser medido “a partir de um certo intervalo do coeficiente de Gini”.

 

Não acho que uma teoria pedindo que nos abstenhamos, por um momento, de julgar o mundo com base no “principio da inveja”, e que solicite respeito a um amplo leque de visões de mundo, opostas e não raro excludentes entre si,  possa ser particularmente popular em um mundo conflagrado como o nosso. Somos de um tempo muito pouco rawlsiano, neste sentido.

 

O que me parece certo é que sua teoria prosseguira sendo lida e discutida mesmo quando nossos rancores e desavenças já fizerem, há muito, parte do passado.


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RECADOS AMEAÇADORES DO STF - 15.02.2021


por PERCIVAL PUGGINA

        

       Como não consegui ligar para o ministro Luiz Fux para saber se era verdadeira a farta informação sobre recados enviados à Câmara dos Deputados e ao Palácio do Planalto, tenho que ficar com o que, com pequenas variações e sem serem desmentidos, relataram os grandes meios de comunicação. Segundo eles, os ministros teriam avisado que a confirmação da deputada Bia Kicis na presidência da CCJ da Câmara era uma declaração de guerra e que a interlocução com a Comissão seria interrompida.  

         Por quanto sei, a deputada tem sobre a conduta do STF, sua composição, e alguns dos membros da Corte, uma opinião em tudo semelhante à da maior parte da sociedade brasileira. A atual composição do Supremo é uma sequela dos longos governos anteriores, em completa dissintonia com as posições políticas vencedoras da eleição de 2018, o que era previsível. O que não era previsível é que a maior parte dos ministros, desde o início, visse o novo governo como um antagonista a ser contido e tratado como tal. Sobram exemplos de uma “guerra” que já vai longa, não declarada e nunca revidada.

         Manifestações de rejeição a ministros quando expostos ao público se tornaram frequentes em aeroportos ou no exterior, e isso os deixou com os nervos à flor da pele. Passaram a tratar os demais poderes e toda divergência com autoritarismo e arrogância, como se todos fossem casca grossa.

         Sei que não é novidade haver facções políticas que não sabem perder eleições. Aliás, que não admitem derrotas. Quando perdem, não admitem as consequentes mudanças. Querem que tudo permaneça como está, ou seja, como fizeram ou desfizeram. A novidade, na minha perspectiva, são recados ameaçadores do STF aos demais poderes. Lembrei-me da indignação que causou, com razão, a frase grosseira do senador Bolsonaro quando disse que para fechar o STF bastaria um cabo e um soldado.

         No caso, amplificada pelo fato de ser filho do presidente o senador que a proferiu, era uma opinião pessoal. Agora, estamos diante de recados de um poder aos outros dois. Veto a um nome de parlamentar é um pé na porta do Parlamento e do Palácio do Planalto. É conduta audaciosa.

         Como poder cuidador da Constituição, o STF, há dois anos, vem enguiçando o sistema de “freios e contrapesos” inerentes à operação dos três poderes de Estado. O STF atua como poder “peso pesado” com freio desregulado e conduta intimidatória.

 

 

Publicado originalmente em Conservadores e Liberais, o site de Puggina.org


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FORÇA DO SISTEMA - 11.02.21


Por Márcio Coimbra, publicado no jornal O Tempo

 

O Brasil vive o desfecho da mais importante operação anticorrupção da história do país. Ao mirar na Petrobras, a Lava Jato descobriu um sofisticado mecanismo de desvios de recursos públicos que atingiu personagens centrais do mundo político brasileiro. Ao desvendar esses caminhos, os petistas, que governavam o país havia mais de uma década, sucumbiram, assim como alguns sócios do consórcio governista.

A Lava Jato levou a população para as ruas em um movimento inédito para um povo que não tem o hábito de protestar. A indignação do povo brasileiro mexeu com as estruturas políticas e sacudiu a sucessão presidencial. Na visão da população, ali se daria a grande virada, mudando a dinâmica do jogo e iniciando um novo tempo em nossa democracia, finalmente longe do domínio sistemático da chamada velha política.

 

Ao movimentar as estruturas políticas nacionais, a Lava Jato tornou-se um capítulo importante de nossa história, assim como a operação Mãos Limpas transformou-se em episódio ímpar no combate à corrupção do modelo interno de poder italiano. Infelizmente, os resultados, tanto lá quanto aqui, são muito similares. Apesar do esforço das forças-tarefa, a capacidade de luta e regeneração do sistema mostrou sua face com enorme resiliência.

Em ambos os países, a rejeição da população ao sistema engoliu os partidos políticos tradicionais, levando outsiders ao poder. Nesse novo momento da política italiana surgiu Berlusconi, e na geopolítica do poder brasileiro emergiu o nome de Bolsonaro. Ambos conseguiram se viabilizar em uma espécie de discurso de uma nova política, que desprezava métodos tradicionais e pregava uma nova virtude no exercício do poder.

Assim como na Itália, no Brasil o sistema refluiu para depois voltar com uma força descomunal em união entre esquerda e direita para destruir seus oponentes. Em Roma, a reação partiu do governo e do Parlamento italiano, que promoveram um verdadeiro movimento de restauração, aprovando leis para proteger a classe política e tornar as investigações da magistratura mais difíceis. Em Brasília, seguimos pelo mesmo caminho.

Assim como no Brasil, a resposta contra a força-tarefa veio por meio de processos e denúncias contra magistrados e procuradores como forma de deslegitimar suas ações e reputações. Mesmo que improcedentes, serviram para desgastar a imagem dos procuradores e juízes diante da opinião pública. O movimento se intensificou quando a força-tarefa partiu para investigar exatamente aquele que se elegeu no embalo da popularidade da operação e que rejeitava o sistema: Silvio Berlusconi. Qualquer se melhança é mera coincidência.

Depois de décadas, muitos ainda se perguntam se os resultados políticos da operação Mãos Limpas foram benéficos para o país, uma vez que a reação levou um populista ao poder. Ao mesmo tempo, aquele que deveria mudar a política valeu-se do cargo para restaurar o status quo e blindar o sistema de impunidades italiano. Antonio di Pietro, que esteve à frente da operação, diz que hoje os delitos são cometidos com maior inteligência criminal.

Ao olharmos para o Brasil, vemos que seguimos os mesmos passos. Resta ao brasileiro escolher um final diferente para nossa versão dessa história. Se ainda estiver ao nosso alcance, talvez 2022 seja a última oportunidade.


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