Espaço Pensar +

DIGA-ME COM QUEM ANDAS - 10.01.25


Por André Burger

 

Hoje a Venezuela empossa Nicolas Maduro como presidente pela terceira vez consecutiva. Ele é presidente desde 2013 sucedendo Hugo Chavez que o foi desde 1999. Numa democracia efetiva se desconfia quando há falta de alternância no poder e por 20 anos são eleitas as mesmas pessoas. Há ceticismo sobre a licitude do processo eleitoral venezuelano desde o início da dupla Chavez-Maduro na presidência.

A OEA declarou que durante a gestão de Maduro foram cometidos crimes contra a humanidade, e a ONU reportou mais de 9 mil pessoas assassinadas pelo seu regime. Em 10 de janeiro de 2019, minutos após Maduro tomar posse perante o Tribunal Supremo de Justiça da Venezuela, o STF deles, para o mandato presidencial de 2019 a 2025, a OEA, em reunião extraordinária do Conselho Permanente, aprovou uma resolução que declarava Maduro como presidente ilegítimo da Venezuela, pedindo novas eleições. Em 26 de março de 2020, o Departamento de Justiça dos Estados Unidos, emitiu um mandado de prisão contra Maduro por acusações relacionadas ao tráfico de drogas com uma recompensa de 15 milhões de dólares.

Maduro alega ter vencido as eleições de 28 de julho de 2024, o que lhe garantiria a posse de hoje Porém nunca foram apresentadas as atas de fechamento de urna que comprovariam sua vitória. Algo que foi demandado pela oposição venezuelana e a comunidade internacional. Ao contrário, o candidato da oposição, Edmundo Gonzales, apresentou documentos que mostram a vitória dele, Gonzales. Em continuidade, é perseguido pelo Ministério Público venezuelano, obrigando-o, primeiro, a se refugiar na embaixada da Holanda e, depois, na casa do embaixador da Espanha que promoveu sua fuga e exílio na Espanha. A União Europeia não reconhece o resultado oficial das eleições na Venezuela que elegeram Maduro presidente. Está claro que houve fraude e foi imposta repressão à oposição, com desaparecidos, mortos e autoexilados. Ontem, 9 de janeiro, Maria Corina Machado, líder da oposição na Venezuela, foi presa.

Existem 193 países no mundo. Desses, apenas 20 reconhecem a eleição de Maduro. Entre eles, ou são ditaduras como China, Rússia e Irã ou são países insignificantes como São Tomé e Príncipe, ou ambos como Coreia do Norte, Cuba e Nicarágua.

Para nós brasileiros, importa que venezuelanos continuarão a chegar no Brasil como refugiados. Já são mais de 8 milhões de pessoas que deixaram a Venezuela desde que Chavez implantou a ditadura socialista em 1999, sendo que 1 milhão veio para o Brasil.

A amizade de Lula com o ditador venezuelano é sabida. Num primeiro momento nossa diplomacia não reconheceu a eleição de 2024. O governo brasileiro havia condicionado o reconhecimento da eleição de Maduro a apresentação das atas eleitorais, o que não aconteceu. Agora, está confirmada a representação oficial desse governo na cerimônia de posse, através da embaixadora em Caracas, Glivânia de Oliveira. Por conseguinte, o governo Lula reconhece a validade das eleições, pois de outra forma não se faria representar.

Lula, no dia 08 último, se disse amante da democracia. Escolheu o termo com precisão, pois nunca esposou a democracia, apenas teve casos com ela. Faço ideia que tipo de amante ele é, daqueles que terminam com a amásia na delegacia. Isso é sintomático, pois Lula sempre foi amigo de conhecidos estupradores da democracia, entre eles os Castro, Gaddafi, Ortega, Ahmadinejad. É preciso lembrar a ele o que é democracia. Para Lula, PT e seus asseclas a democracia está mais próxima daquilo que ditaduras costumam ser. Consideram Cuba e a própria Venezuela países democráticos, por exemplo. Vale lembrar que diversos países que têm democracia no nome são ditaduras: a República Democrática da Coreia (Coreia do Norte), a República Democrática do Congo, a extinta República Democrática Alemã (Alemanha Oriental).

De qualquer forma, a defesa da democracia de Lula, e daquele 1 milhão de pessoas que assinou a Carta pela Democracia, em agosto de 2022, não é a democracia do respeito aos direitos individuais, ao direito de propriedade e ao estado de direito ("rule of law"). A democracia deles é a tirania da maioria, como se bastasse a maioria decidir para que a minoria deva obedecer. Essa democracia viola o direito das minorias e a menor minoria é o indivíduo; portanto, há direitos invioláveis que mesmo a maior das maiorias não poderia destituir. A verdadeira democracia é a que permite e respeita a existência das minorias.

Aos que pensam diferente, a título de conhecimento e não de doutrinação, sugiro a leitura do livro de Hans-Hermann Hoppe, “Democracia, o Deus que Falhou”.


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O insuperável reacionarismo da esquerda - 06.01.25


Por Percival Puggina

 

         Larguei a pergunta no meio da mesa: “Quem é mais reacionária, a direita ou a esquerda?”. Eu esperava abrir uma discussão acalorada, mas isso não aconteceu. A expressão “reacionário” era entendida por todos como atributo inquestionável da direita. Ninguém se atreveu a discordar de um conhecimento tão corrente, tão comum, apesar de tão errado, como se verá a seguir.

A unânime reação expressou o que acontece quando uma ideia é repetida de modo incessante (como a que permitiu, há cem anos, por exemplo, a irracionalidade nazista se expandir na sociedade alemã).

Ora, ora, meus caros! Em Ciência Política, a palavra reacionário designa o apego a fórmulas e situações superadas pela História e pelos fatos. Quando nos atemos a essa condição essencial, já começa a ficar claro que para a extrema esquerda brasileira das últimas décadas, reacionário é “todo aquele que reage às suas ideias e revoluções”. Em outras palavras, para esse esquerdismo, todo conservador é um reacionário. Só que isso é falso e era o ponto que eu pretendia enfrentar.

A adesão a princípios e valores morais, a instituição familiar, a proteção das crianças, a fé religiosa, o amor à pátria e os bens imateriais que herdamos dos antepassados estão em plena vigência e são objeto de proteção da maioria da sociedade brasileira. Portanto, não são velharias pedindo para ser abolidas. Não estão superadas pela história! O conservadorismo, por outro lado, não faz revoluções. Ele quer preservar o que deu certo e reformar o que possa e deva ser melhorado. 

A opinião esquerdista sobre o tema já estava por um fio e alguém saiu em sua defesa lembrando episódios recentes: “Mas o golpismo não é reacionarismo? Tipo querer voltar a 1964?”. Expliquei, então, que golpe civil com uns poucos militares da reserva é anedota, narrativa para fazer rir. É coisa tipo Brancaleone, como na comédia de Mario Monicelli, estrelada por Vittorio Gassman (1966). Aliás, seria uma Armata di Brancaleone, sem Brancaleone algum. Golpes ficam muito mais bem descritos em regimes de exceção, autoritários, sob os quais estejam reintroduzidas a censura, as restrições às opiniões parlamentares, as prisões políticas e a desatenção às garantias constitucionais e ao bom Direito. Ou seja, em situações típicas de AI-5, de Estado de Sítio sem as aprovações constitucionalmente exigidas para tanto, mas com as continências dos comandos efetivos das Forças Armadas.

O que restava do preconceito desabou ao serem apontadas, por fim, as evidências do reacionarismo das esquerdas. Por exemplo: a) afirmar que o Brasil pertence aos índios; b) apontar a relação indígena com a natureza e seus bens como modelo a ser seguido; c) defender métodos de produção agrícola do séc. XIX; d) obstar os avanços tecnológicos na agricultura e na indústria; e) transformar em ícones dinossauros políticos como Lênin, Che Guevara, Fidel Castro, Mao Tsé-Tung; f) confiar mais no Estado do que na iniciativa privada, etc., etc., etc.

Olhe, então, à sua volta e me diga, leitor: qual lado do leque ideológico é efetivamente reacionário, embora se proclame progressista?


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CUIDE DA SUA VIDA - 30.12.24


Por André Burger

 

Há poucos dias a Sra. Luiza Helena Trajano, presidente do conselho de administração da Magazine Luiza (Magalu), disse “Quem não gostar do Brasil, vá embora dele, mas quem ficar, por favor, pare de falar mal do Brasil”. Esta frase nos remete aos tempos da ditadura militar, período do general Médici, quando o refrão era “Brasil, ame-o ou deixe-o”. O significado é o mesmo, os descontentes devem sair. É um posicionamento típico de pessoas autoritárias querer banir aquelas com visões diferentes das suas e bastante comum em países de regimes autocráticos como Cuba e anteriormente a União Soviética. Nada muito diferente dos bolsonaristas quando diziam para os críticos do governo de Jair Bolsonaro se mudarem para a Venezuela. A visão da Sra. Trajano, e de todos que não admitem conviver com seus antagonistas, é o oposto da vida numa sociedade onde impera a lei e a tolerância. É um comportamento inverso ao que existe nas sociedades abertas conforme a concepção de Popper. Ficou clara a visão antidemocrática e intolerante dessa senhora. Não é de hoje que ela sugere banir os descontentes do Brasil. Em 2014, havia dito a um grupo de empresários que criticavam o governo Dilma: “Está tão ruim? Então vende o negócio e mude de país.”

   

    Chama a atenção que a Sra. Trajano apareça durante os governos do PT para dar palpite sobre economia e política. Ela havia sido do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, o Conselhão, nos dois primeiros governos Lula, foi íntima do governo Dilma, quando chegou a ser cotada para um ministério. Agora em Lula 3 voltou ao Conselhão. Defendeu durante os governos petistas as políticas de crédito fácil e apoio às campeãs nacionais que nos levaram, junto com as pedaladas fiscais, a pior recessão da história republicana, culminando com o impeachment da Dilma Rousseff, ao que a Sra. Trajano era contra. Em setembro deste ano, Lula a agraciou, junto com a primeira-dama, Janja, com a medalha de Mérito Osvaldo Cruz pela contribuição à saúde pública, apesar de se desconhecer o que ambas tenham feito pela causa. Interessante que na sua única manifestação pública sobre a Operação Lava-Jato a considerou como inevitável, mas seguiu apoiando Lula.

   

    Ao mesmo tempo que tem um discurso patriótico, a Sra. Trajano sempre esteve próxima dos governos do PT, o que beneficiou a Magazine Luiza com financiamentos subsidiados do BNDES. Mais recentemente, ela foi das fortes defensoras da tributação das importações diretas pela internet, que ficou conhecida como taxação das blusinhas, até fechar um acordo com a chinesa Ali Express. Ambas as atitudes a colocam no nem tão restrito grupo de empresários brasileiros que adoram um apoio governamental para fazer seus negócios prosperarem.

   

    Seus palpites econômicos costumeiramente estão alinhados a discursos desenvolvimentistas, seja professando a ampliação do crédito, seja fazendo coro contra os juros altos. Apesar de competente comerciante, a Sra. Trajano não sabe, ou finge não saber, que crédito governamental fácil impacta o gasto público e que a taxa de juros é um preço e, portanto, alterá-lo artificialmente leva a más alocações econômicas. Foi famosa sua interpelação ao presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, em agosto de 2023, cobrando uma forte queda na taxa de juros, pois a seu ver a inflação estava controlada e não via motivos para manter, na época, a taxa SELIC em 13,75% ao ano. Como sofremos as consequências dessas intervenções no mercado do segundo governo Dilma, as críticas da Sra. Trajano aos juros altos são apenas ressonância do discurso oficial. Em nenhum momento ela se posicionou pela redução do endividamento público ou pela diminuição do tamanho do estado, as verdadeiras causas das altas taxas de juros praticadas no Brasil.

   

    Ao invés de palpitar sobre o que parece não entender, melhor seria que, como presidente do conselho de administração da Magazine Luiza, se preocupasse mais com a empresa. Se olharmos o desempenho da Magalu (MGLU3) na Bolsa veremos que os acionistas não devem estar nada satisfeitos. Sua ação chegou a valer R$ 255,70 em novembro de 2020, o equivalente a U$ 46,62 e hoje (27.12.2024) está cotada a R$ 6,42, ou U$ 1,04. Uma perda significativa de valor para todos que aportaram suas poupanças na empresa acreditando na capacidade de gestão da Sra. Trajano e seu filho, atual CEO da Magazine Luiza.

   

    Apesar da Sra. Luiza Helena Trajano ter aparecido na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo segundo a revista Time, em 2021, seria bom se ela lembrasse a frase de Lewis Carroll no livro Alice no País das Maravilhas: "If everybody minded their own business, the world would go around a great deal faster than it does."


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CAOS COM PROPÓSITO - 23.12.24


Por Dagoberto Lima Godoy


A má condução econômica pode não ser apenas um erro de gestão, mas uma estratégia para subverter a ordem constitucional e instalar um regime autoritário. Um dos caminhos mais insidiosos para isso é a dominância fiscal, um fenômeno que ocorre quando o governo prioriza seus próprios gastos acima da estabilidade econômica, levando ao descontrole inflacionário. O governo acumula déficits insustentáveis e recorre ao Banco Central para financiar suas despesas, geralmente por meio da emissão de moeda. Essa prática desvaloriza a moeda, reduz o poder de compra da população e destrói a confiança no sistema econômico. O resultado? Uma espiral inflacionária que desorganiza a economia, criando condições de caos social.
Historicamente, regimes autoritários se aproveitaram de crises econômicas para justificar ações extremas. Na Alemanha dos anos 1920, a hiperinflação abriu caminho para a ascensão do nazismo. Na Venezuela e no Zimbábue, políticas fiscais desastrosas desencadearam colapsos econômicos que fortaleceram líderes autoritários sob o pretexto de "restaurar a ordem".
No Brasil, esse alerta não é irrelevante. A instabilidade econômica, aliada à deslegitimação de instituições democráticas, pode ser usada como justificativa para medidas excepcionais que centralizem o poder, calem a oposição e controlem as massas. Sob o pretexto de combater o caos, controles econômicos rígidos e a supressão de liberdades individuais podem ser impostos.
Evitar essa armadilha exige vigilância institucional e políticas fiscais responsáveis, sendo a autonomia do Banco Central crucial para evitar interferências políticas que sabotem o controle inflacionário.
Proteger a economia de abusos é proteger a própria democracia. O caos econômico manipulado, pode ser um caminho para a destruição das liberdades que tanto prezamos.


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Marcel Van Hattem e a rocha de Thomas Jefferson - 11.12.24


Por Percival Pugina


 
         Tenho votado no deputado Marcel Van Hattem por reconhecer nele as virtudes que, hoje, parcela imensa da sociedade brasileira vê e aplaude.
 
O primeiro dos 250 artigos da Constituição só tem um parágrafo. Com esse destaque estético e ético, os constituintes de 1988 sublinharam para as gerações vindouras a relevância da afirmação que faziam ao descrever a origem do poder: “Todo o poder emana do povo e em seu nome será exercido através de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.”
 
Se os representantes se omitem na representação, se a transformam em ativo financeiro para negócios privados ou se desligam os canais de comunicação com os representados, fazendo-se convenientemente surdos à voz das ruas, a democracia sufoca por falta de oxigênio. Em sequência, os outros 249 artigos, seus parágrafos, incisos, alíneas e itens restarão sujeitos não mais à vertente popular, mas a quem esse poder for transferido por conveniência ou omissão. Aí, tal poder relativiza quanto queira do que esteja constitucionalizado.
 
É por isso que passamos a ouvir, em frequência crescente, que nada é absoluto (portanto, tudo é relativo), mesmo se tiver garantia constitucional. A única exceção – realmente absoluto – passa a ser o poder sem voto em sua prerrogativa de decidir o real significado de “quaisquer” disposições da Constituição. Bom demais para uns; ruim demais para outros...
 
Quando a voz da sociedade é silenciada pela censura, mais relevante ainda se torna a representação parlamentar. O povo fala pelos seus representantes! Só que não? Perante o absoluto que se ergue, serão também suas prerrogativas relativizadas? Também sobre eles, a censura e a autocensura? Nem mesmo a inviolabilidade civil e penal dos parlamentares por “quaisquer opiniões, palavras e votos” escapará às relativizações do poder absoluto ancorado ao largo da vontade popular?
 
Thomas Jefferson considerava conveniente em questões de estilo fluir com a correnteza, mas em questões de princípios havia que ser firme como rocha. Marcel Van Hattem fala pelos que têm medo, pelos que cortaram a comunicação com seus representados, pelos que não estão nem aí e pelos que gostariam de falar e não podem.  Fala por uma questão de princípios. É rocha na imagem de Jefferson. De seu vigor intelectual e moral sou testemunha ao longo dos anos.
 
Ele sabe que o tendão de Aquiles da democracia, hoje, é a liberdade de expressão dos parlamentares porque a liberdade recém começa, aqui e ali, a recuperar apoios e a contagem regressiva para um novo ciclo político inicia no próximo dia 1º de janeiro.
 


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AS RAZÕES DO LOBO - 05.12.24


Por Percival Puggina

 

Por vezes, se discute se tal ou qual dos totalitarismos é de direita ou de esquerda. Confesso que jamais gastei um minuto sequer em debater esse assunto; para viver e entender as tiranias do tempo presente, importa saber que todos, inclusive os totalitarismos religiosos, como nas versões radicais do islamismo político, são coletivistas. Há neles um coletivo dominante que submete a divergência e trata de afastá-la ou, mesmo, eliminá-la. Atribui-se o direito de assim agir por considerar que os dominados, os manés que perderam, que não pertencem ao coletivo, são seres de uma espécie inferior e depreciaria a si mesmo quem lhes atribuísse qualquer valor ou dignidade. 

 

Por isso, são comuns, nos totalitarismos, julgamentos coletivos nos quais o réu é culpado em virtude de algum atributo que compartilha com os demais. Todos são de outra classe, de outra raça ou credo; fazem parte da multidão reunida na praça; são proprietários ou intelectuais; fazem doações a determinado fim ou, como se vangloriava o demoníaco Lavrenti Beria na Rússia stalinista: “Mostre-me o homem e eu lhe mostrarei a culpa”. Estabelecido isso, está definida a natureza política da culpa coletiva, por vezes chamada, também, de multitudinária para dar a entender que se trata de algo técnico. Nunca o será onde a tirania for manifesta. O julgamento pode até disfarçar a não individualização das condutas, pouco relevante em vista da natureza inferior do réu e de suas malignas concepções. Também por isso, onde aplicável, é aberto o arsenal dos meios de pressão para extrair delações. O objetivo é obter a gradual redução da oposição, como se constata estudando os tribunais de Hitler, Stalin e Mussolini.

 

É a lógica do lobo. Quando La Fontaine escreveu essa fábula, ele talvez não tivesse em mente alguma aplicação política. Afinal, ele viveu mais de meio século de vida produtiva durante o absolutismo monárquico de Luiz XIV, com quem manteve longa amizade. No entanto, é impressionante perceber quanto o lobo e o cordeiro parecem refletir o Brasil destes anos.

Na fábula, em tom ameaçador e afetando indignação, o lobo interroga o indefeso cordeiro sobre sua audácia em “sujar a água” que ele, lobo, iria beber. O cordeiro alega estar a jusante, sendo-lhe impossível turvar a água riacho acima. O lobo recorre a novo argumento: “Eu sei que você falou mal de mim no ano passado”. O cordeiro ainda tenta escapar, alegando que sequer era nascido no ano passado.

 

Observe o leitor que quando o julgamento é político, pouco importam os fatos ou a individualização da culpa porque o ânimo de condenar antecede a tudo mais. Por isso, o lobo retoma sua lógica perversa: “Se não foi você, foi seu irmão, o que é a mesma coisa”. O infeliz cordeirinho ainda tenta alegar, em vão, ser filho único. Nesse momento da fábula, as cruéis razões do lobo se expressam de modo sincero, listando todo o círculo de convivência do cordeiro: “Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue”. 

No reino animal, com predadores descontrolados, “no fundo da floresta”, para dizer como La Fontaine, as coisas se passam assim.


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