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Outra vitória do amor! Flávio Dino no STF - 30.11.23


 

Por Percival Puggina

 
         Com a indicação de Flávio Dino, Lula mostra como o amor torna tudo mais lindo. Onde iria ele encontrar alguém mais simbólico da vitória do amor? Cuidadosamente, escolheu uma pessoa aplaudida por sua cordialidade e afabilidade, que muito contribuirá para amansar a conduta ouriçada de alguns senhores ministros... Ao mesmo tempo em que exibe à nação seu sólido compromisso com nossa liberdade de expressão, realiza o sonho de seu saudoso camarada Luís Carlos Prestes, que sempre quis ter um líder comunista raiz sentado no STF.
 
Os adversários que os comunistas mais combatem em suas dezenas de experiências mundo afora ao longo de 106 anos não são indivíduos, não são pessoas concretas com nome e sobrenome. Um Estado que adote o comunismo precisa eliminar ou silenciar grupos sociais inteiros. A força do Estado só eventualmente age contra “alguém”, pois seu alcance precisa ser “multitudinário”, para usar a palavra da moda após as prisões e julgamentos em massa referentes aos eventos de 8 de janeiro. Então, para o governo, é bom colocar no Supremo um jurista com essa visão pragmática de como a banda deve tocar.
 
Quero sublinhar três problemas que antevejo como decorrentes da indicação. O primeiro se refere ao ciúme que Flávio Dino vai suscitar. Como reagirá o ministro Alexandre de Moraes quando perceber que mão visivelmente mais pesada que a sua chega à Casa com ganas de provar serviço? Quem vai mostrar mais os dentes?
 
O segundo, diz respeito aos cidadãos bem-aventurados que têm “fome e sede de justiça” e consciência da importância dos tribunais superiores. Nestes muitos, se consolida a ideia de que não serão saciados por quem tem fome e sede de poder.
 
O terceiro diz respeito aos milhões que a elite política governante e sua torcida organizada gostariam de ver surdos e mudos, ou idiotizados no sofá da sala, assistindo à Globo. Digo isso porque não será fácil convencer o Senado que o ministro Flávio Dino é tão manso e pacífico quanto ele se revelará nas audiências com senadores e na sabatina final. Pode ser difícil aprová-lo e tudo que é difícil para o governo no Congresso custa caro para a sociedade. É nosso dinheiro ganhando asas e tomando rumo que gera as maiorias conseguidas pelo governo no parlamento. E não vejo motivos para que seja diferente no caso de Flávio Dino.
 
Isso é firmeza de caráter. A maioria móvel tem seu padrão de conduta e não abre mão. Aliás, é sobre isso que escrevi desde que sentei para desabafar neste texto, usando sarcasmos e ironias para ser menos depressivo.


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Governo sem juízo dá prejuízo - 28.11.23


Por Percival Puggina

 

O governo Lula passou a régua no estrago e chegou à conclusão de que o prejuízo ficou maior em R$ 177 bilhões. Note-se que esse rombo partiu de um superavit de R$ 60 bilhões no exercício anterior. Que falta faz um Paulo Guedes!

Como também era de se prever, há déficit entre as empresas estatais. O ano fecha com um buraco de R$ 6 bilhões, somadas as empresas Dataprev, Eletronuclear, Emgeprom e Correios.  As estatais, sejam federais, estaduais ou municipais são reverenciadas e estimadas pelos esquerdistas que mantêm, com elas, um amor eterno enquanto dura. A relação só é discutida quando seus fundos de pensão são investidos com o mesmo desmazelo com que seus companheiros tocam o país.

Durante os anteriores governos petistas, os fundos de pensão das estatais foram usados para apoiar projetos das empresas beneficiadas por dinheiro barato porque escaladas pelo governo para desempenhar o papel de “campeãs nacionais”. Nas últimas páginas do livro de narrativas para boi dormir em que essa estória é contada, ficou o prejuízo para os servidores que pagam a conta com aportes adicionais.

O problema dos fundos de pensão, apesar dos seus muitos dígitos, resulta pequeno diante do rombo maior ocorrido naquele período como consequência dos feitos investigados no “Mensalão” e na “Lava Jato”, hoje jogada no cadafalso do opróbrio por ter proporcionado à nação o encontro da Esperança com a Decência.

A corrupção motivou a Lei das Estatais (2016) e, nela, aos preceitos que visavam impor condições positivas e negativas rigorosas aos ocupantes de cargos de direção e de conselho dessas empresas. As condições positivas diziam respeito à experiência e à competência dos indicados; as condições negativas exigiam um afastamento de 36 meses de funções político-partidárias para quem fosse indicado a cargo de administrador de empresa pública ou sociedade de economia mista, bem como conselhos da administração.

O resultado pôde ser lido em eficiência, decência e lucratividade. Acabaram os prejuízos, os escândalos e as estatais passaram a dar lucro. Bom demais para durar. Quando tudo ia bem, a estação foi fechada e um viaduto judicial desviou a esperança por cima e para um lado, enquanto a decência cruzou por baixo, levada para outro lado. Bye bye!

O Supremo, no próximo dia 6 retoma o julgamento da constitucionalidade das referidas exigências derrubadas pelo ex-ministro Lewandowski em decisão monocrática. Se valer a experiência, o viaduto continuará operando.

Imagine o que estaria sendo dito se esses fatos tivessem ocorrido entre 2019 e 2022...


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DESONESTIDADE INTELECTUAL - 27.11.23


 

Por Percival Puggina

 

Sublinho aqui dois dos vários tipos de pessoas que estão, sempre, querendo nos enganar. O contingente mais numeroso é o dos estelionatários que, por mil artimanhas, procuram iludir pessoas ingênuas com o intuito de estender a mão grande sobre seus bens materiais.  Esses proliferaram no ritmo em que evoluíram os meios tecnológicos de comunicação, aumentando a vulnerabilidade de seus usuários. Menos numeroso, mas ainda mais nocivo, é o grupo dos indivíduos intelectualmente desonestos, que se julga capaz de convencer os demais que o erro é um acerto, que o mal é um bem e que a verdade se expressa através de uma mentira. Você pode imaginar que esta pessoa não lhe está tomando valor algum, mas é exatamente isso que ela está fazendo ao afetar o apreço da sociedade a tudo que realmente tem valor e não é corroído pela ferrugem do tempo.
 
Apontar em alguém a desonestidade intelectual pressupõe identificar nele a existência de um intelecto usado sem senso moral, para fazer valer suas ideias e consolidar seu poder sobre todos a partir de suas vítimas diretas.
 
Os espaços de poder são objetivos constantes dessa guerra suja empreendida por indivíduos intelectualmente desonestos. É assustador observá-los e verificar o êxito de sua retórica ambivalente e dos malabarismos que usam para convencer os outros.
 
Assim como falsários e arrombadores de antigamente tinham à disposição um conjunto de instrumentos de trabalho, os estelionatários de hoje têm sua maleta de truques para iludir os ingênuos que encontram. O intelectual desonesto, por sua vez, se vale das habilidades proporcionadas pelo conhecimento.
 
Essas pessoas são a versão moderna dos sofistas gregos cujo objetivo era argumentar de modo exitoso durante um contraditório, sem qualquer preocupação com a verdade conhecida. Górgias foi o principal e mais bem sucedido desses mestres. Niilista e relativista, era reverenciado pelo domínio da oratória e dos truques de uma retórica despida de princípios morais.
 
Para ele, “A arte da persuasão ultrapassa todas as outras, e é de muito a melhor, pois ela faz de todas as coisas suas escravas por submissão espontânea e não por violência”. Seus alunos deram-se muito bem nos espaços de poder de seu tempo, remuneravam-no de modo abundante a ponto de ele poder encomendar – segundo se diz – uma estátua de ouro de si mesmo.
 
Seus discípulos estão entre nós e talvez nem saibam que o são pois absorveram de outras fontes as qualidades e os vícios que o caracterizavam.
 
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A ARGENTINA PERDE "LULA", MAS GANHA MILEI - 23.11.23


Por Percival Puggina
 
 
 Foi um excelente negócio! Lula era uma espécie de parâmetro para os governistas (kirchneristas) e para os oposicionistas. Os primeiros viam em Lula a mão amiga e o apoio necessário (com o nosso dinheiro); os oposicionistas viam em Lula o fantasma da mesma governança incompetente que assolava a Argentina. Felizmente, para a maioria, Milei pareceu mais promissor do que um governo com aplauso e apoio de alguém como Lula.
 
Era nítido que muitos eleitores rejeitavam Milei pelo seu modo de ser. E isso faz pensar naqueles que devolveram o poder a Lula (que loucura!) por não gostarem “do jeito de Bolsonaro”! Talvez por isso elegeram um presidente que aprecia a intimidade dos gabinetes, do avião e das comitivas companheiras. Não põe o pé na calçada.
 
Em que pese certa sintonia, Milei e Bolsonaro são bem diferentes, como tem sido dito. Um faz lembrar o outro por algo em que ambos são muito eficientes: a capacidade de se comunicar com a população. O brasileiro com sua metralhadora virtual para combater o crime e o argentino com sua motosserra para cortar o gasto público. E vai parando por aí porque Milei é bem mais liberal do que Bolsonaro e este é infinitamente mais conservador do que aquele.
 
Não podemos esquecer o efeito que o modelo institucional exerce sobre as eleições. O presidencialismo é, cada vez mais um plebiscito entre esquerda e direita. Vence quem fizer mais votos pessoais entre 36 milhões de votantes na Argentina e 150 milhões no Brasil. É muito voto!  Esse “plebiscito” se trava em sociedades cada vez mais sequeladas pelos efeitos da Guerra Cultural e nem os Estados Unidos escapam de tal condição. Como consequência, a capacidade de comunicação e o modo como os candidatos lidam com as percepções e sentimentos da população são mais decisivos do que as propostas de governo.
 
Em 2018, sem dinheiro nem tempo de TV, Bolsonaro derrotou o poder hegemônico e paga caro por esse pecado imperdoável.  Milei usou de seus talentos, venceu bem a eleição e certamente enfrentará dificuldades análogas. Bolsonaro não era liberal, mas tinha Paulo Guedes, seu “Posto Ipiranga”. Pôs ordem na casa, mas Lula, antes da posse, já tinha prontos dezenas de projetos para destruir tudo. Veremos como os outros poderes da Argentina, viciados no estatismo, se relacionarão com a motosserra de Milei.
 
A Ciência Política tem soluções para algumas dessas deformidades institucionais comuns à América Ibérica, embora não para os problemas educacionais e culturais de suas sociedades. Contudo, a Ciência Política não é a Política. Menos ainda a política com “p” minúsculo como eu a deveria ter escrito.


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O TRIUNFO DA ESPERANÇA - 21.11.23


Com uma inflação de 140%, a Argentina votou, com sólida maioria, no anarcocapitalista, como ele mesmo se autodefine, Javier Milei (52), economista, solteiro, deputado nacional de primeiro mandato, líder do partido LLA (La Libertad Avanza). As propostas de Milei são baseadas na Escola de Chicago. Vários doutores egressos dessa Escola fazem parte do núcleo formulador do plano inicial de governo, como Carlos Rodríguez e Roque Fernández, todos com experiência prévia de governo, da época de Carlos Menem, outro presidente que tentou dolarizar o meio circulante. 

Milei também diz pretender dolarizar a economia e, para isso, vem estudando o esquema adotado pelo Equador. Visa a eliminar o Banco Central (ou minimizar seu papel). Quer desregulamentar radicalmente a economia, unificar os inúmeros tipos de câmbio (até desnecessário, caso dolarize) e abrir a economia (seguindo os  exemplos dos vizinhos Paraguai e Uruguai, isolando o Brasil no Mercosul). Fala ainda em privatizar o sistema de ensino (com uso de cheques de auxílio) e adotar uma previdência de capitalização. Quer privatizar e liberalizar mercados. A agenda é conhecida e nada tem de original, salvo pelo fato de que o povo terá votado em Milei apenas como castigo duro aos peronistas, mas, nem por isso, se deduz que a população aceitaria de bom grado o “choque liberal” contido nas propostas de Milei e na cabeça de seus assessores.

 

O novo presidente vai conseguir? É a pergunta de mais difícil aposta. Um programa liberal tem como pressupostos, quase nunca mencionados, (1) conforto em reservas (2) ampla maioria parlamentar (3) população disposta a sacrifícios no curto prazo e tempo de espera por melhores resultados. Não cremos que a situação atual da Argentina preencha qualquer dessas condições. Altamente endividada, deve satisfações ao velho FMI e aos bancos, que vão se meter na formulação interna. A maioria parlamentar de Milei é instável e depende de articular com vários outros partidos. E o tecido social argentino é entranhado de peronistas e saudosistas de todos os tamanhos. Muito dependerá também do comportamento da inflação até a virada do ano. Uma curta hiperinflação é possível nos próximos três meses. A sorte de Milei é que sua posse é para já, em 10 de dezembro. Pode controlar o desastre final.

 

No discurso da vitória ele prometeu “eliminar o Estado onipresente e empobrecedor e colocar um fim ao poder das castas políticas e, com isso, dar à Argentina a posição de uma potência mundial”. O Brasil, nesse ponto, deveria comemorar porque não precisará mais perder tempo e recursos com a articulação do bloco Mercosul, esquisito e disfuncional. A onipotência platina se deslocou do futebol para a política. “A prova do pudim”, como afirmava Milton Friedman, mentor espiritual de Milei, “está  em comê-lo”. Só na prática se saberá se Milei terá a paciência de Messi em tentar várias vezes, muito antes de o conseguir , finalmente, a sua copa mundial. O mais difícil será dolarizar a economia argentina sem dólares. Uma coisa é certa: a nação argentina não terá vida fácil nos próximos meses. O nível de ebulição social aumentará. O alarmante nível de pobreza não irá recuar por milagre nem discurso. Falando de probabilidades, para aqui não ficarmos também só na palavra,  consideramos - tudo somado – que as chances de Milei sobreviver ao mandato e chegar ao fim como um candidato competitivo à reeleição, hoje não  passam de uma em cinco (20%). Como diria Roberto Campos (o velho)  Javier Milei “é o triunfo da esperança sobre a experiência”. Os corajosos hermanos , desta vez, pagaram para ver.


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134 anos de república. E daí? - 20.11.23


Por Paulo Rabello de Castro - publicado no jornal Estado de Minas

O feriado no meio da semana marcou mais um aniversário da república. O de número 134, desde a revolta militar no Rio de Janeiro, em 15 de novembro de 1889. Muitos aproveitaram para se refrescar do calor punitivo que afeta mais de metade da população brasileira. Mas não vi nenhuma notícia de quem tenha aproveitado para festejar o motivo do feriado. Nem mesmo nos quartéis. Se questionada, a população não saberia bem por que o General Deodoro teria ousado levantar sua espada contra o Imperador Dom Pedro II. Outros militares de alta patente transformaram o gesto do general numa insurreição contra a Monarquia. O povo, na impagável expressão do historiador José Murilo de Carvalho, a tudo assistiu “bestializado”. Fazendeiros descontentes com a liquidação final da escravatura pela Princesa Isabel, decretada no ano anterior, acharam que o ato de deposição da família real era “muito bem feito para esses abolicionistas”. O Imperador, que havia exercido o chamado Poder Moderador com absoluta lisura e mestria política desde sua precoce ascensão ao trono em 1841, fez seu último gesto de conciliação nacional e amor ao Brasil, não reprimindo os revoltosos – o que seria plausível, legítimo e até desejável para o País. Dom Pedro foi embarcado às pressas, com a família, para o exílio no exterior. Lá veio a falecer, poucos anos depois, e seus restos mortais foram, em seguida, trazidos para repousar na sua Cidade Imperial – Petrópolis (RJ) - de onde jamais deveria ter sido expulso.
O brasileiro vive até hoje as consequências do rancor pessoal de um general e do excesso de moderação do líder maior do Brasil no século 19. Ano passado, o acadêmico e pensador mineiro, Edmar Bacha, com mais dois pesquisadores, desmontou a tese vigente acerca da suposta “estagnação” do Brasil durante a fase imperial. Com novos dados pesquisados sobre a economia do Império, ficou patente que o alegado estancamento da renda per capita não passara de erro grosseiro de historiadores apressados. No Império, agora se sabe, a renda por habitante cresceu todos os anos, quase 1% em média, num ambiente  de progresso harmonioso, embora tendo o Brasil enfrentado guerras e revoltas, com destaque para a Guerra do Paraguai. Na república, desde 1889, o Brasil passou por uma montanha russa de altos e baixos, muito bem ilustrados no ótimo livro História da Autoestima Nacional do competente economista e empresário  Gastão Reis Rodrigues Pereira, cuja leitura é obrigatória para quem queira sacar o véu da ignorância que nos tem impedido de avaliar a extensão da troca infeliz, que um dia fizemos, de uma monarquia democrática para uma república demagógica, em função da quartelada do 15 de novembro. Nesse livro, Gastão Reis demole o mito do progresso da nossa cidadania efetiva no período republicano. Trata-se, no arguto dizer do autor, de estarmos,  hoje, sendo regidos por instituições públicas que convivem com um conceito de democracia que começa pelo voto, mas que termina no dia da eleição. Aqui o eleitor, depois de depositar seu voto, perde instantaneamente o controle do processo decisório da política, passando a estar à mercê da vontade dos políticos eleitos que, em geral, não respeitam nem consideram a vontade de seus eleitores. O resultado é um país que tem sido sempre dominado por facções de interesses paroquiais e que, nos últimos tempos, tem “evoluído” para facções armadas, com amplo controle territorial, de que é viva testemunha a população do Estado do Rio de Janeiro, agora enfrentando um segundo episódio de intervenção militar em sua (in)segurança pública.

Rui Barbosa, que muitos consideramos como nosso compatriota “mais inteligente”, morreu desencantado com a solução republicana que tanto defendera. O desapontamento vinha pelo fato de a república, cuja palavra significa “coisa (res) pública”, ou seja, a prevalência do interesse geral e público, já tinha virado, naquela altura, a “ré-publica” dos pedidos de favor, de subsídios e nomeações políticas, de apadrinhamentos e compadrios. Enfim, um consistório de réus, o oposto da ficha-limpa. Marcada, desde então, por grandes espasmos autoritários e recessões agudas, quando tudo caminha para trás, a república brasileira marcha com vigor para o pântano da estagnação econômica e moral. Os brasileiros têm, no seu imaginário, a ideia fixa de se mudar de país. Portanto, não é só o calor dos últimos dias que tem feito derreter nossas esperanças. As instituições desta república têm sido um maçarico contra nossa cidadania.


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