Por Guilherme Baumhardt
O ano é 2023. Para agilizar a vida jurídica do país, o Brasil cria um novo serviço, um aprimoramento do Supremo Tribunal Federal. Chama-se Tribunal Federal Reverencial dos Oráculos Ultrajantes. Ou, na sigla, TFERROU. Funciona por telefone, via 0800. O objetivo é agilizar o sistema judiciário, cortando instâncias, recursos, investigações, inquéritos. O novo órgão anula polícias e Ministério Público. Para isso, onze ungidos (e seus asseclas) opinam e decidem sobre absolutamente tudo. Das questões mais comezinhas até o mais polêmico dos casos. Na central de atendimento, uma das servidoras recebe uma chamada:
- TFERROU. Em que posso ajudar?
- Boa tarde. Meu nome é José e acabei de brigar com a minha esposa.
- Qual a razão da discórdia, senhor?
- O arroz e o feijão.
- Como assim?
- Eu gosto de colocar primeiro o feijão e depois o arroz. Minha mulher implica comigo. Diz que deve ser o contrário.
- Pesquisei aqui e vejo que ainda não há jurisprudência sobre o caso. Mas estou abrindo um chamado para um dos oráculos. Em cinco minutos, no máximo, teremos uma resposta.
- Espero na linha?
- Sim, aguarde.
Não mais do que três minutos se passam.
- Senhor, o feijão é o preto?
- Sim.
- Aguarde mais um pouco.
Nova espera até que o atendimento seja retomado.
- Senhor, temos uma decisão. O senhor receberá um WhatsApp, mas já posso adiantar o teor agora.
- Por favor. Estou ouvindo.
- No entendimento do nosso ungido Stálin Morales a situação é um pouco mais delicada, mas há uma resolução.
- O que faço?
- Para casos assim, vale a legislação das cotas. Há o entendimento de que feijões pretos são oprimidos e não recebem o mesmo tratamento dispensado ao arroz.
- Cotas?
- Sim. Cotas.
- Mas eu sou negro, minha família é negra e aqui em casa alguns concordam e outros não concordam com esse negócio de cotas. Mas posso garantir que ninguém vê qualquer relação entre cotas e feijão preto.
- Isso é um problema seu e da sua família. Trabalhamos dentro do rigor da lei. Com muito critério, sempre tentamos buscar um fato já existente antes da tomada de decisão. Neste caso, há o entendimento que temos uma dívida histórica com o feijão. A hora de reparar é agora.
- Bem, então o que eu faço?
- O senhor deve colocar, no mínimo, 50% do feijão sobre o arroz. O restante fica ao lado. Nunca abaixo. Informe sua esposa. Se ela insistir, são cinco anos de reclusão, sem direito à fiança.
- E quando ela fizer feijão-fradinho? Ou feijão vermelho?
- Para o vermelho é a mesma regra. É um feijão que remonta aos indígenas, que têm pele vermelha. Também temos uma dívida histórica com eles. Quanto ao fradinho, recomendamos não usar.
- Mas é uma delícia. Adoro feijão-fradinho.
- Frade lembra religião, senhor. E, para religiões, nossa inspiração agora vem da Nicarágua. Então nada de feijão-fradinho.
- Meu Deus...
- Senhor?
- Sim.
- Religião, lembra? Nicarágua. Vou fingir que não ouvi para não termos problemas.
- Ah, e não tem como voltar atrás, não? Gosto muito de feijão-fradinho. E esse negócio de dar cadeia me assustou. Não quero ver minha mulher presa. E ela cozinha tão bem.
- Agora não há mais volta.
- Jesus, Maria, José... Opa! Desculpa!
- Senhor! Religião! Não pode!
- Para que eu recorro?
- Hahahahahahaha. Peço desculpas pela gargalhada. Não, não há a quem recorrer.
- Como chegamos a isso?
- Em quem o senhor votou na eleição passada?
- Eu votei naquele que foi solto por vocês. Disseram que ele era inocente. Depois vi que não era bem assim. Ah, se arrependimento matasse...
- O senhor gostaria de abrir uma nova consulta para casos assim?
- Qual?
- Morte por arrependimento. Nossos oráculos ultrajantes podem ajudar a tomar uma decisão. Em no máximo cinco minutos temos uma resposta. Chega no seu WhatsApp.
- Não. Melhor deixar assim.
- Por favor, fique na linha, e ao final da chamada dê uma nota de 1 a 5 para o serviço do TFERROU.
- E se eu não der uma nota muito boa?
- Eu não faria isso, senhor.