por Percival Puggina - https://www.puggina.org/home
O que queres que faça? Almoçar cada dia um sapo e não ter nojo? Trazer os joelhos encardidos? Exercitar a espinha em todos os sentidos? Gastar o próprio ventre a caminhar de bojo? Não, muito obrigado! (Edmond Rostand, em Cyrano de Bergerac).
Eis o que nos está sendo cotidianamente pedido. A isso também digo – Não, muito obrigado!
Se alguém imagina que os perigos que rondam a nação chegarão batendo à porta e pedindo licença, está muito enganado. Tal expectativa é de alto risco.
Tenho lido frases escritas por cidadãos brasileiros nas redes sociais defendendo censura e prisão para quem não vacinar filhos na faixa etária de 5 a 14 anos! Tenho visto cidadãos brasileiros falando como alguns ministros do STF falam; e isso é péssimo! Tenho visto cidadãos brasileiros entregarem espontaneamente seu discernimento, sua liberdade de pensamento e expressão e aceitarem que a verdade possa ser estatizada! Tenho ouvido aplausos à prisão de brasileiros por atos que não constituem crimes e à soltura de bandidos condenados para retorno expedito às urnas e à vida pública! A tudo assisto em uma nação que, certo dia, acreditou serem para pessoas com ficha limpa as disputas eleitorais!
Em respeito a todos os leitores, não diria o que afirmarei agora se não estivesse tão evidente que parcela significativa da sociedade entregou a liberdade e perdeu a autonomia, e essa perda já é o próprio perigo tomando posições, ou seja, desorientando corações e mentes.
Do exterior, vem a pergunta insistente: “O que acontece com o Brasil? O povo quer confiar-se a corruptos condenados?”
A resposta sai sofrida porque exige falar de um país onde as formas de autoridade – seja moral, intelectual, ou espiritual – entraram em colapso. Em muitos casos, restou apenas o poder, sem autoridade. Onde essa autoridade (auctoritas de que falavam os romanos) definha, vai-se a moral das gentes. Por erosão constante, ela definha nas famílias, nas escolas, na política, nos meios intelectuais e nos religiosos, nas cortes.
Esse não é o meu Brasil! Esse Brasil é obra de mãos maliciosas e gananciosas pelo poder. Ele, o poder, é sempre o tema, como Celso Daniel veio a saber pelo pior modo possível.
Este Brasil forma cidadãos proporcionando uma educação militante e deficiente junto com uma ruptura dos vínculos com as fontes de verdadeira autoridade intelectual e moral. Mas isso está acontecendo em todo o Ocidente, não é mesmo? E a tirania entra sem bater à porta.
Felizmente, alguns, ainda, dizem – “Não, muito obrigado!”.
Por Percival Puggina
Ontem, enquanto pagava a conta no caixa do supermercado, aproximou-se de mim um jovem alto, cumprimentou-me efusivamente e disse: “Muito obrigado!”. Quando perguntei a razão desse agradecimento, voltando a cumprimentar-me disse: “Porque eu sei o preço que se paga por defender nossos princípios e nossos valores”.
Por coincidência, eu acabara de ler matéria na Gazeta do Povo sobre “Como os artistas conservadores sobrevivem numa Hollywood dominada por progressismo”. Na capital mundial do cinema, isso afeta de modo especial os conservadores cristãos. O conteúdo da reportagem, que pode ser lida aqui, trata da ascensão e queda de astros como Jim Cavaziel, cujas oportunidades despencaram após haver interpretado Jesus em “A paixão de Cristo”. Relata, também, os casos de Mel Gibson e Mark Wahlberg, igualmente deletados em virtude de suas posições religiosas e políticas. Ambos tiveram que financiar com recursos próprios o recém-lançado filme sobre a vida do padre Stu. Nenhum estúdio se interessou pelo tema.
Em Hollywood, funciona um macarthismo de esquerda que fecha as portas para conservadores, cristãos ou eleitores declarados do Partido Republicano, em tudo semelhante ao que se vê no setor cultural brasileiro, vestido da cabeça aos pés no brechó das ideologias desastradas.
Tenho observado que filmes baseados em fatos reais são destacados pelo público nas produções que rodam em plataformas tipo Netflix e Amazon Prime. As pessoas se interessam por relatos que sejam produto da realidade humana. Eis por que, tendo lido muito sobre história da Igreja, nunca entendi o desinteresse dos produtores em relação às vidas de grandes cristãos e santos da Igreja. Fazem mal intencionado muxoxo para um reservatório quase inesgotável de existências exemplares, recheadas de drama e paixão, coragem e sacrifício, êxitos e fracassos cujo fio condutor é a fé assumida por seus personagens.
O padre Stu, retratado no filme de Wahlberg, foi um boxeador violento, agnóstico e mulherengo que, após um acidente grave, converteu-se, mudou de vida e virou padre. Há muitíssimo a contar sobre grandes cristãos além de São Francisco de Assis. Quantos filmes seriam proporcionados pela história de pessoas como Santo Agostinho e São Tomas de Aquino, dois dos homens mais sábios e geniais da história humana! Ou São Bernardo de Claraval – meu santo de devoção – que tanto influenciou o Ocidente no século XII. Ou o cientista Santo Alberto, que escreveu com precisão sobre todo o conhecimento de seu tempo. E as mulheres? Há bem mais do que Joana D’Arc! Lembro Santa Helena, a mãe de Constantino; mártires como Santa Luzia; mulheres, como Santa Catarina de Siena e Santa Catarina da Suécia, que ajudaram a superar o exílio de Avignon; e mais Santa Tereza de Jesus, Santa Madre Tereza de Calcutá e tantas outras. Tantas, aliás, que as omissões comprometem esta lista.
O moço que me surpreendeu com seu agradecimento no supermercado, exagerou meus méritos. Mas tinha uma visão bem clara do que se paga, perante setores de grande influência, por andar para frente e para o alto, na contramão do progressismo rasteiro, orgulhoso de seus fracassos econômicos, sociais, políticos, estéticos e morais.