por Guilherme Baumhardt
Onde foi que nos perdemos? Falo do Rio Grande do Sul e dos gaúchos. Viramos um estado hostil. Somos refratários ao investimento privado, rebelde à atração de capital, invejosos do sucesso alheio. Somos um território onde ganhar dinheiro de maneira correta, dentro das regras, é ruim, um lugar onde lucro é pecado – e dos imperdoáveis.
Durante anos bradamos contra a política de incentivos fiscais. “A guerra fiscal é injusta, a guerra fiscal é nefasta”, bradava a esquerda. Esta é a lógica de quem ama imposto e acredita que o Estado deve ser o grande gestor de todo e qualquer tipo de serviço necessário à existência humana. Da saúde à educação, passando por previdência, estatal de petróleo, parque gráfico, emissora de rádio e televisão ou empresa de silos e armazéns.
Se é verdade que uma política pouco clara, especialmente dentro de um sistema tributário absolutamente confuso como o nosso, é capaz de produzir injustiças (a melhor e talvez única crítica aos incentivos fiscais), é bem verdade também que não entrar na guerra fiscal é mais ou menos como escolher perder uma partida por WO. Se é este o jogo, não entrar em campo é automaticamente... perder! E perdemos. Para Santa Catarina, para o Paraná, Mato Grosso do Sul, os estados do Nordeste brasileiro. Nossa sina tem sido essa.
O Rio Grande do Sul sofre com uma espécie de “uruguaianização”. Nosso país vizinho tem um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) melhor que o brasileiro. O Produto Interno Bruto (PIB) per capita é substancialmente melhor. Há boas escolas e uma qualidade de vida superior à nossa. Então é bom virar um Uruguai? Não. Infelizmente. Há anos a população dos “orientales” não cresce, está estacionada, praticamente parada. Em 1985 a barreira de 3 milhões de habitantes foi rompida. Hoje, 35 anos depois, moram no país pouco mais de 3,4 milhões. Taxas de natalidade baixas explicam apenas parte do fenômeno. O problema é o êxodo, uma realidade há tempos. No Uruguai nascem pessoas que se transformam em excelentes profissionais. Mas que decidem construir sua vida em outras paragens, inclusive no Brasil, por não encontrarem oportunidades. Não há grandes investimentos, não há dinamismo na economia, o parque industrial é mínimo.
Alguma semelhança com o Rio Grande do Sul? Nosso IDH também é maior do que o restante do país. A renda média das famílias é superior à verificada na maioria dos demais estados brasileiros. Temos grandes universidades e centros acadêmicos, com pesquisa e formação de profissionais reconhecidos pelo mercado. Mas a turma vai embora. Exportamos mão de obra qualificada para outras regiões do país e para outras nações. Motivo de orgulho. E também de preocupação. Quem nasce em solo gaúcho e constrói a vida em outros cantos do mundo muitas vezes alimenta o sonho de um dia voltar, retornar ao pago. É uma ligação afetiva, um retorno movimentado graças a dois combustíveis: memória e emoção. Mas e os filhos de quem escreveu sua história assim, esses desgarrados, que saem para quem sabe um dia voltar? Quais os laços que os descendentes têm com o Rio Grande do Sul? Talvez nenhum. Serão turistas aqui, pelo menos até que pais e qualquer outro vínculo com esse pedaço de terra ao sul do Brasil deixem de existir.
Se não quisermos viver o que passa hoje o Uruguai é preciso mudar posturas. Entender que somos um estado periférico. Não somos centrais, nossa distância dificulta a logística, o Mercosul não decolou. Para completar, a Argentina, que poderia nos tornar menos “extremos” e quem sabe nos colocar em uma posição mais central, do ponto de vista de relações comerciais, parece viver em um eterno divã. Uma crise cíclica e sem fim. Volto à pergunta de abertura da coluna: onde foi que nos perdemos? A pergunta é na verdade retórica. Sabemos exatamente onde estão nossos equívocos. Se sabemos onde erramos, podemos acertar mais do que tropeçar. A boa notícia é que ainda há tempo.
Por Percival Puggina
Ontem, Dia as Mães, assisti ao vídeo da audiência da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados na última quinta-feira (aqui). Todo brasileiro deveria, no correr desta semana, tratar de assisti-lo. Isso se tornou imperioso. O vídeo tem pouco mais de três horas que serão usadas de modo importante para o bem de cada um, de sua família e do país. A vida nos colocou neste tempo e neste lugar quando e onde somos testemunhas de dias e de fatos que marcarão de modo indelével nossa existência. Não podemos virar às costas e sair da História, como se fôssemos um Coelho Relojoeiro que jogasse fora seu relógio e se recolhesse entre os sonhos de Alice sobre um país das maravilhas chamado Brasil.
O fato de ser Dia das Mães me aproximou muito do drama e da atitude missionária da principal depoente do evento, Bárbara Destefani (canal “Te atualizei”). Nem de longe dedicaria um cumprimento a qualquer de seus algozes, mas de bom grado viajaria para externar àquela jovem mãe minha profunda admiração. Talento e coragem, senso de humor e seriedade fizeram dela uma figura nacional, sujeita à dupla condição de martírio e assédio.
O silêncio das feministas é um libelo. O silêncio dos senadores sobre o descontrole do STF revira o estômago. O que fazem com Bárbara (que tomo com símbolo de tantos) é a maior evidência de que 1) estamos sob censura no Brasil; 2) a censura vem do topo do Poder Judiciário nacional; 3) tudo mais que se diga sobre o PL 2630 para lhe dar espaço na vitrina das intervenções do Estado é meramente decorativo, acessório. O assunto é censura, sim, num país onde se estabeleceu um poder que não aceita ser contradito. De contrariado, claro, nem se cogita.
Houve um tempo, e já vai longe, em que perante certos tratamentos desiguais, clamava-se contra “dois pesos e duas medidas”. Era o senso popular de justiça. Do mesmo modo, houve um tempo em que punir Chico cidadão comum, mané, pé-de-chinelo, implicava o dever de punir, por iguais motivos, o abonado e influente Francisco, em seus mocassins italianos.
Pois tudo isso ficou para trás, levado na voragem de uma justiça cujos olhos servem a uma visão particular de futuro. Por ser particular, essa visão perde as condições para ser imposta legitimamente a todos. Quais condições? A legitimação dada pelos constituintes à Constituição, pelos legisladores às leis e pelo povo aos parlamentares que elege para representá-lo. Aquele futuro que essa justiça vê (sua compreensão sobre o destino do mundo, da pessoa humana e da sociedade) é apenas um futuro dentre outros possíveis. Perante tal pluralismo, cabe aos parlamentos discernir! Não aos juízes. Não aos ministros. Fora disso, o que se tem é “golpe”, para usar o vocábulo da moda.
Na prática do tempo presente, o pau que bate em Chico só bate em Chico. E não há mais dois pesos e duas medidas. Há apenas um peso e uma singular medida. Ambos servem aos fins de determinada causa, vale dizer, à destruição de uma corrente política e de pensamento dentro da sociedade, cortando suas derradeiras possibilidades de comunicação. Esse prato da balança tem peso zero.