por Fernando Schüler, publicado na Gazeta do Povo
Fazia um bom tempo que não se falava sobre reforma política em Brasília. Por estes dias voltou-se a falar. Arthur Lira criou um grupo de trabalho para reformar as regras eleitorais, e temas mais amplos entraram na pauta, como a revisão da cláusula de desempenho e da vedação a coligações nas eleições proporcionais.
A notícia preocupa. O país fez uma minirreforma eleitoral em 2017, proibindo coligação nas proporcionais e instituindo uma cláusula de barreira progressiva. Começou no ano passado, com a exigência de 1,5% dos votos válidos ou nove deputados eleitos em um mínimo de nove estados, e vai até 2030, com a exigência de um mínimo de 3% dos votos ou 15 eleitos.
A pergunta que surge: há algo que justifique interromper o processo no meio do caminho? Alguma coisa deu errado ou é só a reclamação dos partidos que não cumpriram as exigências da cláusula ou estão com medo de não cumprir?
Nosso festival de partidos, com honrosas exceções, é uma resposta artificial aos incentivos do próprio sistema (fundos, tempo de tevê etc.) e se mostra como um conjunto vazio de ideias
O fato é que as medidas da minirreforma vêm dando certo. Diria que é uma das raras reformas institucionais que o país conseguiu fazer nos últimos anos, com resultados inequivocamente positivos. Nove dos 30 partidos que elegeram deputados em 2018 não cumpriram a cláusula e perderam o acesso ao Fundo Partidário e tempo de televisão.
Algum problema nisso? Na minha visão, nenhum. Nos 15 anos após as eleições de 1998, nossa fragmentação partidária cresceu 62%. Entre 1986 e 2018, fomos de 12 para 30 partidos na Câmara. Tornamo-nos o país com a maior fragmentação partidária do planeta.
Resultado? Mais dificuldade de formação de consensos e tomada de decisão, no Congresso. Nos dois governos de FHC, os quatro maiores partidos da Câmara formavam quórum para aprovar emendas à Constituição (310 e 347, em cada mandato); no governo Bolsonaro, os quatro maiores partidos somam 187 deputados, muito abaixo da maioria requerida para projetos de lei.
Se a fragmentação partidária expressasse diversidade de visões programáticas em um país continental e complexo, como o Brasil, haveria ali alguma virtude. Não é o caso. Nosso festival de siglas, com honrosas exceções, é uma resposta artificial aos incentivos do próprio sistema (fundos, tempo de tevê etc.) e se mostra como um conjunto vazio de ideias.
Outro sinal positivo da minirreforma de 2017 veio das recentes eleições municipais. Nas cidades com até 20 mil habitantes (mais de dois terços dos municípios), o número efetivo de partidos nas câmaras de vereadores caiu de 5,1 para 3,5. O mesmo não ocorreu nas cidades de grande porte, ainda que que se tenha estancado o aumento da fragmentação. E casos extremos ainda se verificam, como na Câmara de Vitória, onde 13 partidos ocupam as 15 cadeiras do Legislativo municipal.
A melhor solução para este problema viria de uma ideia discutida há muito, no país: a migração do sistema eleitoral para o modelo distrital misto. O sistema cria um claro incentivo à aglutinação partidária ao tornar majoritária a escolha de parte das vagas ao parlamento. Ele facilita a comparação de programas e focaliza a representação parlamentar, fazendo com que a comunidade saiba quem a representa e vice-versa. De quebra, reduz custos de campanha e a influência do dinheiro nas eleições.
Arthur Lira faria história se levasse à frente esta ideia, em vez de fazer o país olhar pelo retrovisor. Como inspiração, poderia prestar atenção à reforma feita pela Nova Zelândia, no início dos anos 90, em que um conjunto de modelos eleitorais, definidos pelo parlamento, foram submetidos a plebiscito. Isto permitiu um amplo debate nacional sobre a qualidade da representação política e sua repactuação. Vamos lembrar que nossa fórmula republicana e presidencialista foi objeto de consulta direta, em 1993, mas não o sistema eleitoral. Há mecanismos na Constituição que facultam esta opção, e talvez tenha chegado a hora de pensar sobre isto.
De qualquer modo, fica o alerta. O maior erro seria jogarmos pela janela os avanços que tivemos com a minirreforma de 2017. Se for para mudar, o melhor é andar para frente, não para trás.
Por Percival Puggina
Estava imaginando o que passou pela cabeça de um cidadão cubano quando tomou conhecimento da lista de convênios que Lula e sua comitiva assinaram com o governo de seu país na recente visita a Havana, espécie de Jerusalém do comunismo decrépito.
Há alguns anos, época em que muito debati com representantes dos partidos de esquerda, em especial membros de um muito ativo movimento de solidariedade a Cuba, ouvi deles que no Brasil existem miseráveis ainda mais miseráveis do que em Cuba. Eu os contestava dizendo que ninguém desconhecia a pobreza existente aqui, mas era preciso observar uma diferença essencial entre a situação nos dois países. Aqui, os pobres convivem com carências alimentares por falta de meios para adquirir alimentos; em Cuba, mesmo que o povo dispusesse dos meios, não teria o que adquirir porque a economia comunista, como se sabe, é improdutiva.
Esse é um dos motivos, dentre muitos outros, para que ninguém caia na balela de que o comunismo é bom para “acabar com a pobreza”. O que aconteceu com o setor açucareiro dá excelente exemplo. No final dos anos 1960, a URSS se dispôs a comprar 13 milhões de toneladas anuais de açúcar cubano, a partir da safra 1969/1970. O país produzia entre três e quatro milhões de toneladas, com tendência decrescente. Muitas atividades da ilha foram suspensas e comunistas do mundo todo foram trabalhar naqueles canaviais. Conseguiram sete milhões de toneladas.
Trinta anos mais tarde, quando fui a Cuba pela segunda vez, a safra 2002/2003 fora tão escassa que Cuba importava açúcar! Depois, a produção andou pela casa dos dois milhões de toneladas e no ano passado bateu em meio milhão. A história do açúcar é a história da balança comercial e do consequente déficit cambial cubano. Daí o pagamento não em dólares, mas em charutos ou “outras moedas” ... Daí também o motivo pelo qual, se você excluir estrangeiros residentes, turistas, membros da elite partidária e militar, a carência é generalizada.
Imagine então um cidadão cubano sendo informado pelos órgãos de divulgação do estado de que seu país firmara acordo com o Brasil sobre trocas de tecnologia e de cooperação técnica em agricultura, pecuária, agroindústria, soberania e segurança alimentar e nutricional, mudas, bioinsumos e fertilizantes, agricultura de conservação, agricultura urbana e periurbana; produtos alimentares prioritários para consumo humano e animal, reprodução de espécies agroalimentares prioritárias; uso eficiente da água, cadastro e gestão da terra e abastecimento agroalimentar. E mais biotecnologia, bioeconomia, biorrefinarias, biofabricação, energias renováveis, ciências agrárias, clima, sustentabilidade, redes de ensino e pesquisa (*).
Não sei se está previsto, mas se em tudo isso e em outros convênios também firmados, não ligados à produção de alimentos, o Brasil enviar cheque, pode escrever aí: vem charuto.
*Condensado de matéria da Agência Brasil – EBC, íntegra em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-09/brasil-assina-acordos-de-cooperacao-em-varios-setores-com-cuba.