por Hélio Beltrão - publicado no Jornal do Comércio - 16.09.20
Urukagina foi o primeiro reformista da história. Após campanha contra os arbítrios do monarca anterior, foi coroado rei de Lagash, na Suméria, em 2.350 a.C.
Entre outras medidas, Urukagina aboliu o controle de preços. Suas reformas chegaram até nós por meio da escrita cuneiforme esculpida em impressionantes cones de pedra, em uma verdadeira "declaração de direitos" centrada no conceito de 'liberdade', ou 'amagi', que teve ali seu primeiro registro histórico.
A história econômica é em essência uma narrativa de 4.400 anos consecutivos de fracassos de medidas governamentais como os controles de preço de Lagash.
Seiscentos anos depois, por exemplo, o Código de Hammurabi de 282 leis estabeleceu: tabelas de preços fixos de aluguel de carroças, de armazenamento de grãos, de serviços médicos, aluguel de barcos, e outros. Houve declínio de comércio durante o reinado de Hammurabi após comerciantes e mercadorias escassearem. O tabelamento teve por consequência um castigo não premeditado àqueles que o código pretendia apoiar.
Portanto, nem tudo começou com os gregos. Mas os helênicos não ficaram atrás em termos de controles de preços. Durante o período clássico de Atenas, em 400 a.C., fiscais denominados 'sitophylakes' impediam preços 'abusivos' dos grãos, em uma antevisão do Código de Defesa do Consumidor. Lysias, escritor de discursos, em sua Peça Oratória 22 "Contra os comerciantes de grãos", pediu em tribunal ateniense a pena de morte para os comerciantes que acumulassem ou aumentassem preços em tempos de escassez. Os atenienses chegaram até mesmo a executar fiscais que não logravam êxito no tabelamento.
Até esta altura, as altas de preço eram geralmente pontuais e derivadas dos chamados "choques de oferta", ou quebras de safras. Já no Império Romano, entrou em cena uma novidade: o fenômeno da inflação, ou alta generalizada de preços, que se tornou política pública.
Desde 269 a.C., ainda na República, o templo de Juno Moneta (origem da palavra "moeda") cunhava o denarius contendo 100% de prata. Mas a partir de 64 d.C., os imperadores passaram a recunhá-lo misturando metais mais baratos. Nero reduziu o conteúdo de prata para 88% (lucro e inflação instantâneos de 15%). O denarius seguiu sendo continuamente depreciado por ligas metálicas até conter apenas 0,5% de prata em 268 d.C.
Diocleciano passou decreto em 284 d.C. no qual atribuía a culpa da inflação generalizada à ganância dos comerciantes e especuladores. Antecipando o governo Sarney e suas prisões contra violadores de seu tabelamento geral, instituiu a pena de morte aos infratores, inclusive àqueles que comprassem acima do preço de tabela.
Em nosso 2020 d.C., o governo ainda não avalizou o tabelamento do arroz, leite, laranja e outros alimentos. Porém muitos seguem acreditando que o comerciante ou o produtor ganancioso é o responsável pelo aumento de preços. Não aprenderam a lição de 4.400 anos.
A alta atual dos preços de alimentos é resultado do aumento de dinheiro circulante injetado pelo BC. Como diziam Milton Friedman, Ludwig von Mises, Roberto Campos, e outros craques, "a inflação é, em todos os tempos e lugares, um fenômeno monetário". A política monetária frouxa do BC promoveu a alta do dólar: o Real tem o pior desempenho entre os principais emergentes neste ano. O dólar caro, por sua vez, contaminou os preços em reais das commodities negociadas no mundo e cotadas em dólares, como o arroz.
Tabelar os preços nunca foi a solução: o comerciante tende a deixar de negociar o produto tabelado porque terá prejuízo; então restringirá a oferta, buscará outros ramos de atuação (de produtos não tabelados), e o consumidor fica com o prato vazio. Mais Urukagina, menos Hammurabi.
Por Percival Puggina
Ontem, Dia as Mães, assisti ao vídeo da audiência da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados na última quinta-feira (aqui). Todo brasileiro deveria, no correr desta semana, tratar de assisti-lo. Isso se tornou imperioso. O vídeo tem pouco mais de três horas que serão usadas de modo importante para o bem de cada um, de sua família e do país. A vida nos colocou neste tempo e neste lugar quando e onde somos testemunhas de dias e de fatos que marcarão de modo indelével nossa existência. Não podemos virar às costas e sair da História, como se fôssemos um Coelho Relojoeiro que jogasse fora seu relógio e se recolhesse entre os sonhos de Alice sobre um país das maravilhas chamado Brasil.
O fato de ser Dia das Mães me aproximou muito do drama e da atitude missionária da principal depoente do evento, Bárbara Destefani (canal “Te atualizei”). Nem de longe dedicaria um cumprimento a qualquer de seus algozes, mas de bom grado viajaria para externar àquela jovem mãe minha profunda admiração. Talento e coragem, senso de humor e seriedade fizeram dela uma figura nacional, sujeita à dupla condição de martírio e assédio.
O silêncio das feministas é um libelo. O silêncio dos senadores sobre o descontrole do STF revira o estômago. O que fazem com Bárbara (que tomo com símbolo de tantos) é a maior evidência de que 1) estamos sob censura no Brasil; 2) a censura vem do topo do Poder Judiciário nacional; 3) tudo mais que se diga sobre o PL 2630 para lhe dar espaço na vitrina das intervenções do Estado é meramente decorativo, acessório. O assunto é censura, sim, num país onde se estabeleceu um poder que não aceita ser contradito. De contrariado, claro, nem se cogita.
Houve um tempo, e já vai longe, em que perante certos tratamentos desiguais, clamava-se contra “dois pesos e duas medidas”. Era o senso popular de justiça. Do mesmo modo, houve um tempo em que punir Chico cidadão comum, mané, pé-de-chinelo, implicava o dever de punir, por iguais motivos, o abonado e influente Francisco, em seus mocassins italianos.
Pois tudo isso ficou para trás, levado na voragem de uma justiça cujos olhos servem a uma visão particular de futuro. Por ser particular, essa visão perde as condições para ser imposta legitimamente a todos. Quais condições? A legitimação dada pelos constituintes à Constituição, pelos legisladores às leis e pelo povo aos parlamentares que elege para representá-lo. Aquele futuro que essa justiça vê (sua compreensão sobre o destino do mundo, da pessoa humana e da sociedade) é apenas um futuro dentre outros possíveis. Perante tal pluralismo, cabe aos parlamentos discernir! Não aos juízes. Não aos ministros. Fora disso, o que se tem é “golpe”, para usar o vocábulo da moda.
Na prática do tempo presente, o pau que bate em Chico só bate em Chico. E não há mais dois pesos e duas medidas. Há apenas um peso e uma singular medida. Ambos servem aos fins de determinada causa, vale dizer, à destruição de uma corrente política e de pensamento dentro da sociedade, cortando suas derradeiras possibilidades de comunicação. Esse prato da balança tem peso zero.