Com uma inflação de 140%, a Argentina votou, com sólida maioria, no anarcocapitalista, como ele mesmo se autodefine, Javier Milei (52), economista, solteiro, deputado nacional de primeiro mandato, líder do partido LLA (La Libertad Avanza). As propostas de Milei são baseadas na Escola de Chicago. Vários doutores egressos dessa Escola fazem parte do núcleo formulador do plano inicial de governo, como Carlos Rodríguez e Roque Fernández, todos com experiência prévia de governo, da época de Carlos Menem, outro presidente que tentou dolarizar o meio circulante.
Milei também diz pretender dolarizar a economia e, para isso, vem estudando o esquema adotado pelo Equador. Visa a eliminar o Banco Central (ou minimizar seu papel). Quer desregulamentar radicalmente a economia, unificar os inúmeros tipos de câmbio (até desnecessário, caso dolarize) e abrir a economia (seguindo os exemplos dos vizinhos Paraguai e Uruguai, isolando o Brasil no Mercosul). Fala ainda em privatizar o sistema de ensino (com uso de cheques de auxílio) e adotar uma previdência de capitalização. Quer privatizar e liberalizar mercados. A agenda é conhecida e nada tem de original, salvo pelo fato de que o povo terá votado em Milei apenas como castigo duro aos peronistas, mas, nem por isso, se deduz que a população aceitaria de bom grado o “choque liberal” contido nas propostas de Milei e na cabeça de seus assessores.
O novo presidente vai conseguir? É a pergunta de mais difícil aposta. Um programa liberal tem como pressupostos, quase nunca mencionados, (1) conforto em reservas (2) ampla maioria parlamentar (3) população disposta a sacrifícios no curto prazo e tempo de espera por melhores resultados. Não cremos que a situação atual da Argentina preencha qualquer dessas condições. Altamente endividada, deve satisfações ao velho FMI e aos bancos, que vão se meter na formulação interna. A maioria parlamentar de Milei é instável e depende de articular com vários outros partidos. E o tecido social argentino é entranhado de peronistas e saudosistas de todos os tamanhos. Muito dependerá também do comportamento da inflação até a virada do ano. Uma curta hiperinflação é possível nos próximos três meses. A sorte de Milei é que sua posse é para já, em 10 de dezembro. Pode controlar o desastre final.
No discurso da vitória ele prometeu “eliminar o Estado onipresente e empobrecedor e colocar um fim ao poder das castas políticas e, com isso, dar à Argentina a posição de uma potência mundial”. O Brasil, nesse ponto, deveria comemorar porque não precisará mais perder tempo e recursos com a articulação do bloco Mercosul, esquisito e disfuncional. A onipotência platina se deslocou do futebol para a política. “A prova do pudim”, como afirmava Milton Friedman, mentor espiritual de Milei, “está em comê-lo”. Só na prática se saberá se Milei terá a paciência de Messi em tentar várias vezes, muito antes de o conseguir , finalmente, a sua copa mundial. O mais difícil será dolarizar a economia argentina sem dólares. Uma coisa é certa: a nação argentina não terá vida fácil nos próximos meses. O nível de ebulição social aumentará. O alarmante nível de pobreza não irá recuar por milagre nem discurso. Falando de probabilidades, para aqui não ficarmos também só na palavra, consideramos - tudo somado – que as chances de Milei sobreviver ao mandato e chegar ao fim como um candidato competitivo à reeleição, hoje não passam de uma em cinco (20%). Como diria Roberto Campos (o velho) Javier Milei “é o triunfo da esperança sobre a experiência”. Os corajosos hermanos , desta vez, pagaram para ver.
Por Roderick Navarro, político venezuelano exilado no Brasil desde 2017 por ordem de arresto do régime de Nicolás Maduro.
Nos regimes autoritários, a censura não é um erro: é o primeiro tijolo de uma engrenagem construída para esmagar a dissidência. Onde há censura, há perseguição. Onde há perseguição, há tortura. Os tiranos, obcecados em se manter no poder, não se contentam em ocupar o trono: acreditam ser deuses. Proclamam-se justos, infalíveis, a voz do povo. Mas, para sustentar essa fantasia divina, precisam silenciar aqueles que gritam a verdade: que o rei está nu.
A censura precisa de executores. No Brasil, esse papel tem sido assumido, com frequência preocupante, por juízes e autoridades que se arrogam o poder de decidir o que é verdade e o que é mentira, o que é permitido e o que é perigoso. As instituições, que deveriam proteger os cidadãos, tornam-se instrumentos de repressão a serviço do poder. Um exemplo recente é a ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), em janeiro de 2025, que bloqueou as redes sociais da Revista Timeline — fundada pelos jornalistas Luís Ernesto Lacombe e Allan dos Santos — sem qualquer explicação pública clara. As contas da revista no X, Instagram e YouTube foram removidas. Lacombe denunciou o episódio como um ataque à democracia: “Por quê? Não disseram. Que bela democracia temos…”
Outro caso alarmante foi a cassação do mandato da deputada federal Carla Zambelli, também em janeiro de 2025, pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, após ela questionar o sistema eleitoral. Mais de 946 mil votos foram anulados. O senador Jorge Seiff classificou a decisão como uma “perseguição clara, óbvia e absurda” contra a direita. E esses não são casos isolados: o exílio do jornalista Oswaldo Eustáquio, perseguido por denunciar abusos de poder, e o bloqueio do X no Brasil em 2024 por ordem judicial — sob a acusação de permitir “desinformação” — são sinais de uma censura que já não choca: está se normalizando.
No início, silenciar alguns poucos é suficiente para intimidar muitos. Mas em sociedades onde ainda há quem ouse falar, a censura seletiva torna-se insuficiente. Então o regime avança: não cala apenas alguns, cala todos. No Brasil, vozes da resistência têm denunciado essa escalada autoritária, mas os tiranos possuem uma arma ainda mais eficiente do que a censura: a economia. Como advertiu o economista Roberto Campos, defensor do liberalismo e crítico feroz do autoritarismo: “A liberdade morre quando o Estado controla os meios de produção e as mentes.” Campos, que combateu a burocracia e o intervencionismo, alertou sobre o perigo de um Estado que sufoca a liberdade econômica para dominar a sociedade.
E é isso que vemos hoje: aumento dos gastos públicos, impostos sufocantes, desvalorização da moeda e obstáculos crescentes ao empreendedorismo. Quando as necessidades básicas — comida, moradia, segurança — estão ameaçadas, a liberdade de expressão vira luxo. O cidadão, exausto pela luta diária, esquece o dissidente preso.
A censura, no entanto, não é o fim, mas o meio. É a antessala da violência cruel e impiedosa. Uma vez desmobilizada a oposição, o regime avança para a perseguição em massa: um preso político torturado, um líder exilado, uma família encarcerada pelas ideias de um dissidente… No Brasil, a normalização dessas práticas representa uma ameaça concreta. Segundo o World Justice Project, em 2025 o país ocupava a 80ª posição entre 142 nações em imparcialidade judicial — à frente apenas da Venezuela. Quando a justiça se politiza, a censura não é um instrumento de “proteção institucional”: é uma arma contra os opositores.
Essa estratégia, herdeira das piores tradições leninistas, só pode ser derrotada pela força de um povo organizado. Uma cidadania ativa, disposta a apoiar líderes corajosos, pode frear a tirania. Mas se a censura avança, a economia colapsa e a resistência se fragmenta, o futuro será sombrio. Os líderes da oposição acabarão reduzidos a migalhas de poder ou, pior ainda, na prisão ou no exílio.
O Brasil está diante de uma encruzilhada. A censura não é apenas um ataque à imprensa ou aos políticos da oposição: é um ataque a toda a sociedade. As forças políticas — dos partidos aos movimentos civis — não podem cruzar os braços nem assistir, passivamente, ao povo se degradar enquanto fecham “acordos”. Tiranos gostam de escrever o desfecho das histórias. Resta torcer para que, desta vez, não o façam com o sangue dos brasileiros.