Por Percival Puggina
Passei quatro anos apontando a coesão da velha imprensa na oposição ao governo Bolsonaro. Durante todo o período, de modo ininterrupto, essa mídia, o STF e o TSE protagonizaram a oposição. Sempre vi nisso um descomunal favorecimento a quem chegasse contra o governo na eleição presidencial. Em 15 de abril de 2021, por 8 votos a 3, o Supremo proporcionou a zebra e – surpresa! – em outubro, deu Lula.
Transcorrido apenas um mês de governo, o que assistimos é um cavalo-de-pau e a volta ao passado. Quem falar pelo governo – seja Lula, qualquer de seus ministros ou parlamentar, personagens do segundo escalão ou dirigentes do partido – gasta mais tempo atacando o governo que saiu do que promovendo o governo que entrou. No petismo isso é genético. Por definição, seu adversário não presta, tem que ser permanentemente atacado e ter sua reputação assassinada a sangue frio. Contudo, sublinhe-se a bem da inverdade: o PT é contra discurso de ódio e seus sucessos são vitórias do amor... Lula, Lula! De algum lugar Deus está te vendo.
Quando falam sobre temas de gestão, trabalhos de casa, tarefas a cumprir, daquilo, enfim, para o que são pagos, a situação fica ainda pior. As manifestações soam como estertores do passado: controle social da mídia, desarmamento, favorecimento do aborto, revogação da Lei do Teto de Gastos e ruptura com princípios básicos da estabilidade monetária, volta dos lesivos e escandalosos empréstimos internacionais pelo BNDES. Chegou? Não, tem mais. Fim da autonomia do Banco Central, guerra às privatizações, revogação dos preceitos da Lei das Estatais que impedem seu aproveitamento para fins políticos e partidários (o que barrou a corrupção e representou o retorno à lucratividade dessas instituições). E por aí vai o navio fantasma que, como um zumbi, emergiu de funduras abissais e estacionou, tenebroso, na Praça dos Três Poderes.
A mídia, mesmo a ativista, não está tão comprometida com a sandice como para passar recibo a esse futuro totalmente comprometido com o pretérito. Pudera! Até quem viaja nas cabines de luxo sabe que vai beber água salgada se o navio bater num iceberg ou nos rochedos de um arquipélago tropical. Então, em meio à intensa replicação das narrativas, começam as críticas feitas como se quem critica não tivesse qualquer responsabilidade com a escolha do comandante Lula para jogar o Brasil contra os rochedos, como o comandante Schettino fez com o navio de cruzeiro Costa Concórdia.
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml