Por José Paulo Cavalcanti Filho
A primeira e mais fundamental liberdade é a de consciência. E dela decorrem duas consequências principais. Uma retrospectiva, no passado, que é não haver censura. Outra prospectiva, no futuro, que é o direito de poder dizer o que se pensa. Com limites definidos, em cada sociedade, por suas constituições. Daí vem a Liberdade de Expressão, base de todas as verdadeiras democracias. Como dizia Paul Éduard (Liberdade), em belo verso, “Nasci para te conhecer/ Liberdade”.
O ministro Alexandre de Moraes, que dirige as eleições como presidente do TSE, teria o dever de garantir um pouco de paz nessa quadra histórica tão conturbada. Mas “não contribui para isso”, palavras do jurista Yves Gandra. E prefere a radicalização. Em cada gesto. Por ter um “problema na cabeça” ‒ segundo seu colega no Supremo, ministro Marco Aurélio. Ou por se acreditar ungido, pelos deuses, na missão redentora de salvar o Brasil. “A alma humana é um abismo”, disse Pessoa (texto sem data).
Entre muitos absurdos, conduz um inquérito absolutamente ilegal. Qualquer estudante de Direito sabe que cabe ao Supremo só julgar, art. 102 da Constituição. Já investigações, está em outro artigo (129), devem ser feitas pelo Ministério Público. Apesar disso, inventou esse malfadado inquérito. Em decisão monocrática ‒ a única Corte Constitucional, do planeta, em que isso ocorre. Sem regra que permita isso. Nem mesmo o art. 43 do Regimento Interno ‒ que, ainda quando por absurdo fosse invocado, exigiria iniciativa do presidente do Supremo. O que não ocorreu. Agora, vítimas são cidadãos que conversavam em seus celulares. Já sofreram busca e apreensão. E o mais não se sabe, com ele tudo é possível. Sem praticar nenhum ato concreto que pudesse importar riscos à Democracia. E mesmo sem ter, qualquer deles, Foro Privilegiado. O que torna o Supremo incompetente, sem dúvida possível, para processá-los.
Mais assustador, nessas demonstrações de poder absoluto, é o silêncio cúmplice. Dos seus colegas do Supremo. E de tantos que se consideram Combatentes da Democracia e permanecem, todos, calados ‒ OAB Federal, ABI, Sindicatos de Jornalistas, CNBB, professores de Direito, autores e subscritores de Cartas em favor da Democracia. Como se a Liberdade de Expressão estivesse a serviço de alguma ideologia. Ou pudesse vir a ser sacrificada por interesses eleitorais. É constrangedor.
José Paulo Cavalcanti Filho é membro da Academia Brasileira de Letras.
Por Percival Puggina
Estava imaginando o que passou pela cabeça de um cidadão cubano quando tomou conhecimento da lista de convênios que Lula e sua comitiva assinaram com o governo de seu país na recente visita a Havana, espécie de Jerusalém do comunismo decrépito.
Há alguns anos, época em que muito debati com representantes dos partidos de esquerda, em especial membros de um muito ativo movimento de solidariedade a Cuba, ouvi deles que no Brasil existem miseráveis ainda mais miseráveis do que em Cuba. Eu os contestava dizendo que ninguém desconhecia a pobreza existente aqui, mas era preciso observar uma diferença essencial entre a situação nos dois países. Aqui, os pobres convivem com carências alimentares por falta de meios para adquirir alimentos; em Cuba, mesmo que o povo dispusesse dos meios, não teria o que adquirir porque a economia comunista, como se sabe, é improdutiva.
Esse é um dos motivos, dentre muitos outros, para que ninguém caia na balela de que o comunismo é bom para “acabar com a pobreza”. O que aconteceu com o setor açucareiro dá excelente exemplo. No final dos anos 1960, a URSS se dispôs a comprar 13 milhões de toneladas anuais de açúcar cubano, a partir da safra 1969/1970. O país produzia entre três e quatro milhões de toneladas, com tendência decrescente. Muitas atividades da ilha foram suspensas e comunistas do mundo todo foram trabalhar naqueles canaviais. Conseguiram sete milhões de toneladas.
Trinta anos mais tarde, quando fui a Cuba pela segunda vez, a safra 2002/2003 fora tão escassa que Cuba importava açúcar! Depois, a produção andou pela casa dos dois milhões de toneladas e no ano passado bateu em meio milhão. A história do açúcar é a história da balança comercial e do consequente déficit cambial cubano. Daí o pagamento não em dólares, mas em charutos ou “outras moedas” ... Daí também o motivo pelo qual, se você excluir estrangeiros residentes, turistas, membros da elite partidária e militar, a carência é generalizada.
Imagine então um cidadão cubano sendo informado pelos órgãos de divulgação do estado de que seu país firmara acordo com o Brasil sobre trocas de tecnologia e de cooperação técnica em agricultura, pecuária, agroindústria, soberania e segurança alimentar e nutricional, mudas, bioinsumos e fertilizantes, agricultura de conservação, agricultura urbana e periurbana; produtos alimentares prioritários para consumo humano e animal, reprodução de espécies agroalimentares prioritárias; uso eficiente da água, cadastro e gestão da terra e abastecimento agroalimentar. E mais biotecnologia, bioeconomia, biorrefinarias, biofabricação, energias renováveis, ciências agrárias, clima, sustentabilidade, redes de ensino e pesquisa (*).
Não sei se está previsto, mas se em tudo isso e em outros convênios também firmados, não ligados à produção de alimentos, o Brasil enviar cheque, pode escrever aí: vem charuto.
*Condensado de matéria da Agência Brasil – EBC, íntegra em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-09/brasil-assina-acordos-de-cooperacao-em-varios-setores-com-cuba.