Por Pedro jobim
Na semana passada, Lula editou decretos que, se mantidos, desmontam o Marco legal do saneamento, que representou possivelmente o maior avanço nas políticas públicas do país nos últimos anos. No curto período desde sua aprovação em 2020, a nova lei viabilizou mais de 20 licitações, em seis estados diferentes, que envolvem a contratação de R$ 80 bilhões em investimentos. O pouco tempo de sua operação não foi, é claro, suficiente para reverter as estatísticas medievais do saneamento no Brasil, forjadas ao longo de todos os séculos desde Cabral em que a responsabilidade por este esteve a cargo quase exclusivo de empresas estatais.
Não entraremos, neste artigo, nos detalhes de redação dos decretos que fazem com que os mesmos revertam, na prática, as regras de concessão dos serviços de saneamento ao status anterior ao novo marco. Estes já foram destrinchados em ótimos artigos nos últimos dias, como os de Paulo Uebel e Diogo Mac Cord, entre outros. Também não exploraremos este e outros retrocessos do presente governo do ponto de vista da notável consistência existente entre as políticas propostas e as promessas de campanha do atual mandatário, que já exploramos em artigo anterior , e como também resume Adolfo Saschida em excelente post. Nosso objetivo consiste em discutir a motivação por trás de ações desta natureza, por parte deste governo.
Por que, afinal, esta administração insiste em reinstituir políticas que se revelaram incapazes de melhorar indicadores sociais e sanitários, como a entrega dos serviços de saneamento a empresas estatais, ou que comprovadamente contribuíram para o desastre econômico de 2015-16, como o aparelhamento político de empresas estatais? Afinal, resultados sociais e econômicos insatisfatórios, que sejam identificados com políticas governamentais seriam, em princípio, desfavoráveis para a perspectiva de continuidade deste ou de qualquer outro governo.
Não há como a resposta a esta pergunta não passar pelo histórico de apropriação do estado pelo estamento burocrático - a camada de funcionários, contratadores e beneficiários de recursos públicos que, na definição de Raymundo Faoro, desde os tempos coloniais orbita o poder e usa de sua proximidade para auferir vantagens para si. Em artigo anterior , argumentamos que no período compreendido entre a chegada de Vargas ao poder, em 1930, e o fim do primeiro período do governo do PT, em 2016, a simbiose entre governo central e o estamento desenvolveu-se de forma mais ou menos crescente e estável. Este equilíbrio foi abalado pelo impeachment de Dilma, e o abalo aprofundou-se com o resultado da eleição de 2018.
Ainda que o governo Bolsonaro tenha se utilizado de práticas populistas, por exemplo, ao aumentar o tamanho dos programas de transferência de renda, é também verdade que este desmamou setores importantes do estamento, ao promover o desaparelhamento político das empresas estatais, a redução das verbas de publicidade para veículos de mídia, a intensificação da desalavancagem do BNDEs, e o fim de seus empréstimos subsidiados. A aprovação do marco do saneamento, em 2020, representaria um golpe importante contra as burocracias estaduais do setor e também contra todos aqueles políticos que se beneficiam, de uma forma ou de outra, da existência, em pleno século 21, de 100 milhões de brasileiros sem acesso a esgoto sanitário, e de 35 milhões sem acesso a água potável.
Como também detalhamos no referido artigo, a reação estamental ao governo Bolsonaro foi fortíssima, tendo a mesma se intensificado nos meses que antecederam a eleição de 2022.
Lula, ungido pelo estamento, e eleito por pequena margem, tem agido, como previsto, no sentido de anular todos os pequenos avanços contra o garrote estamental, conquistados, a muito custo, pela sociedade, neste breve interstício de sete anos. O reaparelhamento das estatais será viabilizado pela alteração na respectiva lei, já encaminhada ao congresso. Veremos que tipo de resistência o parlamento oferecerá aos decretos que modificam o marco do saneamento, que em tese se subordinam à lei aprovada em 2020. O governo Lula já manifestou, também, intenção de retroceder nos avanços conquistados pela reforma trabalhista - em especial, no que se refere ao fim da obrigatoriedade da contribuição sindical. Também agirá, dentro das possibilidades, para reverter a privatização da Eletrobrás, a ex estatal que consumiu mais de R$ 200 bilhões de recursos públicos em capitalizações, no período entre 2003 - quando o PT a retirou do programa de desestatização, até 2022, quando enfim foi privatizada. Lula recentemente afirmou que seu governo “não fará nenhuma privatização”, e, embora não tenha explicitado, está evidente que fará, também, o que estiver a seu alcance para dificultar os programas de privatização dos estados.
O recém divulgado novo marco fiscal também precisa ser compreendido à luz da lógica do patrimonialismo brasileiro. O governo anterior conseguiu algo difícil de ser observado no Brasil e no mundo das últimas décadas: queda de impostos e de despesas, mesmo em meio à situação de pandemia. Como qualquer governo de esquerda, a atual administração propõe aumento de impostos e de despesas, através de um marco fiscal que só fica de pé se o PIB crescer implausíveis 2,5% por ano e a carga tributária for elevada em cerca de 0,5% do PIB, também anualmente. Sempre justificando a perspectiva de crescimento de despesas sob o argumento de necessidade de maior redistribuição de recursos, o estado brasileiro, na verdade, apenas retomará seu protagonismo como extrator de rendas junto aos pagadores de impostos, e do correspondente oferecimento destas rendas a seus clientes: os grupos estamentais de interesse, como funcionários públicos, executores de obras públicas (“bônus de investimento”), etc. O reestabelecimento do voto de qualidade no CARF por medida provisória, prejudicando os pagadores de impostos, e a proposta de anulação das multas às empreiteiras envolvidas no escândalo de corrupção da Lava-jato também são medidas consistentes com a retomada da extração sistemática de rendas da sociedade em direção ao estamento.
De forma complementar à consolidação da reação estamental, medidas como o retrocesso no marco do saneamento se explicam, também, pelo interesse de governos de esquerda nos dividendos eleitorais representados pela manutenção de uma elevada parcela da população como dependente de transferências governamentais. Não é por outro motivo que a Argentina não consegue se livrar do populismo de esquerda, ainda que possua 50% da população abaixo da linha da pobreza. Mesmo a ditadura Venezuelana goza de popularidade junto às camadas mais miseráveis da população.
Raymundo Faoro ilustrou o garrote do estamento na sociedade como um parasita numa árvore, que faz com que seus frutos cresçam cada vez menos suculentos, e suas folhas , cada vez mais secas, cuidando para que, no entanto, a árvore não pereça, pois que com ela pereceria também o parasita. Neste novo capítulo de nossa triste história de patrimonialismo, os “Donos do Poder” de sempre, atiçados pelos poucos anos em que o abraço pareceu afrouxar-se, atiram-se à presa com a força que uma sucuri envolve um velho boi. É difícil pensar num outro momento de nossa história em que, como hoje, os objetivos de um governo fossem tão cristalinos quanto incompatíveis com aqueles dos pagadores de impostos. Sem perspectiva quanto a nova interrupção neste processo, o país seguirá sua rota de baixo crescimento, o que ampliará a pobreza e a desigualdade, gerando resultados opostos àqueles alegadamente perseguidos por este governo.
Por Percival Puggina
Ministros do STF gostam de se apresentar como membros do poder mais zeloso pelo bem do país e pela democracia. No entanto, abriram a torneira dos recursos públicos para o financiamento das campanhas eleitorais e partidos floresceram no deserto das ideias. No entanto, também, impediram a aplicação da cláusula de barreira quando ia começar a valer na eleição de 2006.
Pela confluência desses dois vetores, o Congresso Nacional tem, hoje, 22 bancadas! Pode parecer inusitada a relação de causa e efeito, mas é também por eles que a sociedade custeia, hoje, quatro dezenas de ministérios! Atraídos por cargos, verbas públicas e espaços de poder, partidos sem rosto e com nomes impróprios se transformaram em estabelecimentos dedicados ao business da corretagem do apoio político-parlamentar ao governo.
Foi grotesco, foi indecoroso, mas todos pudemos assistir à forma como em poucas semanas, uma “consistente maioria” conservadora, ou liberal, ou de direita, ou de centro direita, eleita e proclamada como tal em 2022, bandeou-se de mala e cuia, como dizemos aqui no Rio Grande do Sul, para o calor e o sabor do assado governista, onde toda a picanha é consumida ali mesmo, na beira do fogo, se me faço entender.
Recentemente e em boa hora, foi criado um site que cidadãos de bem e os eleitores com cotidiana repulsa ao noticiário nacional deveriam manter registrado entre os favoritos no seu computador ou em lugar de fácil acesso de seu celular. Anote aí:
https://placarcongresso.com/pages/partidos.html
Essa verdadeira preciosidade presta serviço valioso à memória e à informação dos eleitores. Contém, por parlamentar, por partido e por estado da Federação, dados de assiduidade ao plenário e de votos concedidos ao governo e à oposição nas deliberações da Câmara dos Deputados.
O site é de muito fácil manuseio e consulta. Com dados de 83 deliberações em que o governo indicou à sua base orientação favorável ou desfavorável, esse site permite identificar a posição governista ou oposicionista de cada deputado. A partir desses registros, observa-se que dos 22 partidos, apenas dois: PL e Novo, foram decididamente oposicionistas! Todos os outros 20 deram mais votos ao governo do que à oposição. Entre os 513 deputados, não chegou a uma centena o número dos que votaram contra o governo em mais da metade dos projetos nos quais este indicava sua posição. Por fim, descobre-se que apenas as representações de três estados – Santa Catarina, Mato Grosso e Roraima – foram oposicionistas.
Maus políticos e maus partidos têm grande estima por eleitores desinformados e omissos. Prestigiam a ignorância e precisam da mediocridade.