Por Percival Puggina
É inegável que os desajustes do nosso federalismo suscitam manifestações separatistas. Numa época em que tantos procuram deixar o Brasil, certos conterrâneos descobriram no separatismo um modo de ir para o exterior permanecendo onde estão. De lambuja, economizam a passagem, evitam problemas de imigração e, numa solução tipicamente brasileira, reabilitam o crédito mudando a razão social.
O tema, bem ao contrário do que alguns tentam fazer crer sempre que ele ganha fôlego, não se constitui em loucura, piada ou invencionice desprovida de relevância social. Basta andar pelas ruas e falar com as pessoas para perceber o germe dessa ideia. Ela se manifesta em determinados pontos de vista bem conhecidos: “Sinto-me mais gaúcho do que brasileiro”; “O Sul é o meu país”; “Moro no Brasil que deu certo”; “Estou cansado de sustentar o Norte e o Nordeste”; “Chega de ser conduzido pelas elites nordestinas”. Parece-lhe necessário muito mais do que isso para formar uma onda separatista? Muitos que alegam discordar da tese não cessam de repetir as hipóteses que a fundamentam.
É oportuno lembrar que durante 96 dos 124 anos da República o governo brasileiro esteve confiado a paulistas, mineiros, cariocas e gaúchos. Ademais, considerar a riqueza como critério definitivo de valor e supremo bem é coisa própria do capitalismo terceiro-mundista. Por essas e outras, enquanto os países da Europa se empenham em construir a unidade continental – mesmo à custa de sacrifício econômico –, outros explodem em conflitos étnicos e separatistas.
Civismo é sentimento nobre e pressupõe respeito à História, algo que falta a regionalismos dessa motivação. Numa extensão das hipóteses em que ele se fundamenta, poderíamos conceber um Estado formado pelas áreas industrializadas mais próximas de Porto Alegre, tendo por capital um município integrado apenas pelos seus bairros classe “A”. E aí - quem sabe? - repousaríamos mais tranquilos nos travesseiros de nossa insensibilidade cadastrando-nos num plano superior ao dos miseráveis de quem estaríamos, enfim, libertos.
Separatismo é tolice. O de que precisamos é de uma ampla revisão do nosso federalismo, com redefinição de atribuições e uma nova repartição e supervisão do bolo fiscal que não conviva com “arcabouços”. O modelo em vigor está esfarelando a nação, ajudando a corromper nossas práticas políticas e nossa democracia.
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml