Por Paulo Polzonoff Jr – Gazeta do Povo-
Nos últimos meses, têm sido raros os dias em que não recebo mensagem de alguém se dizendo desesperado com o país. Tem gente perdendo o sono, o apetite, a saúde e até a fé por causa de Lula. Digo, não é exatamente por causa de Lula, e sim por causa daquilo que Lula representa. É como se o Brasil, isto é, a ideia de nação e de vida harmônica em sociedade, estivesse ruindo. E não está?
É mesmo difícil evitar o decadentismo. Basta olhar em volta. Eu, que moro perto de um lugar que oferece café da manhã aos mendigos, percebo que o número de frequentadores aumentou. A cidade parece mais suja e com mais lojas fechadas. Nas lojas que estão abertas, os vendedores parecem à toa. Paira no ar aquele pessimismo que antecede tempos muito difíceis.
Mas a decadência não se abate apenas sobre o lado material. Entre os intelectualizados, a perda da liberdade já é dada como certa. E mesmo aqueles que fazem humor nas mesas dos bares já contam piadas as mais amenas possíveis, com medo de chamar a atenção de um membro do Ministério Público que possa estar na mesa ao lado, ouvindo. Outro dia, na Missa, até o padre trocou de palavra no meio da frase. São tempos de precaução.
A tristeza (ou, nos casos mais graves, a depressão) nasce da exposição constante a um noticiário que só reforça a impressão de decadência, quando não de catástrofe. Uma impressão que sempre vem acompanhada da sensação de impotência. Afinal, tirando um ou outro psicopata, temos consciência de nossa pequenez. Das nossas limitações. E até da nossa vulnerabilidade diante disso tudo que tá aí. E isso nos revolta, quando não deprime.
Não se deprima!
Respondendo à pergunta que serve como título deste texto, a filósofa Natália Sulman usou um aforismo simples que serve bem ao propósito deste texto: a alma é maior do que a Pátria. E aqui é aquele momento em que sempre surge alguém para dizer que na Venezuela dos anos 1990 provavelmente também havia alguém dizendo que a alma era maior do que a Pátria – e veja só no que deu.
Ainda assim, a alma é maior do que a Pátria. Até porque Pátria, nação, Brasil, sociedade e democracia são conceitos criados, de certa forma, para satisfazer a alma. E nunca vice-versa. Tampouco o Estado tem esse poder todo sobre a alma. Ou não deveria ter. Para isso é que serve a virtude da fortaleza. Comentei que recentemente li uma daquelas narrativas autobiográficas que se passam durante o Holocausto. Pois bem. Até ali, em Auschwitz, a alma se sobrepunha à eficiência assassina dos nazistas.
Mas alma, aqui, tem que ser compreendida de uma forma mais transcendente. E nem sei se há outra forma. Alma é aquilo que, mesmo passando fome (e estamos bem longe disso, né?), mesmo presa, mesmo traída, mesmo torturada e mesmo morta pelo Estado, se mantém intacta. Tá, talvez intacta seja um pouco demais. Só os santos são fundidos nesse ferro. Mas você entendeu, né? A alma não se abala ou não deveria se deixar abalar por decisões de Alexandre de Moraes, por estultices de Flávio Dino, por gastos milionários no cartão corporativo da Presidência, por churrascos na laje presidencial ou pela paixão indecorosa de Lula por Maduro.
Alma, acrescento eu, que não sou filósofo nem nada, mas estou aqui batendo um papo com você que está aí todo tristão, é aquilo que consegue enxergar a realidade pequena. O cotidiano das caóticas (e deliciosas) relações familiares e de amizade. As escolhas que não dependem de aval do Congresso ou do STF. Muito menos do Lula! Alma – vou além porque agora me empolguei– é aquilo que se submete à vontade de Deus e que ri dessa nossa sensação de impotência. Alma é aquilo que passa raiva diante do telejornal num instante e no outro ri de uma trapalhada qualquer do gato. Alma é aquilo que agradece. Alma.
Por Percival Puggina
Estava imaginando o que passou pela cabeça de um cidadão cubano quando tomou conhecimento da lista de convênios que Lula e sua comitiva assinaram com o governo de seu país na recente visita a Havana, espécie de Jerusalém do comunismo decrépito.
Há alguns anos, época em que muito debati com representantes dos partidos de esquerda, em especial membros de um muito ativo movimento de solidariedade a Cuba, ouvi deles que no Brasil existem miseráveis ainda mais miseráveis do que em Cuba. Eu os contestava dizendo que ninguém desconhecia a pobreza existente aqui, mas era preciso observar uma diferença essencial entre a situação nos dois países. Aqui, os pobres convivem com carências alimentares por falta de meios para adquirir alimentos; em Cuba, mesmo que o povo dispusesse dos meios, não teria o que adquirir porque a economia comunista, como se sabe, é improdutiva.
Esse é um dos motivos, dentre muitos outros, para que ninguém caia na balela de que o comunismo é bom para “acabar com a pobreza”. O que aconteceu com o setor açucareiro dá excelente exemplo. No final dos anos 1960, a URSS se dispôs a comprar 13 milhões de toneladas anuais de açúcar cubano, a partir da safra 1969/1970. O país produzia entre três e quatro milhões de toneladas, com tendência decrescente. Muitas atividades da ilha foram suspensas e comunistas do mundo todo foram trabalhar naqueles canaviais. Conseguiram sete milhões de toneladas.
Trinta anos mais tarde, quando fui a Cuba pela segunda vez, a safra 2002/2003 fora tão escassa que Cuba importava açúcar! Depois, a produção andou pela casa dos dois milhões de toneladas e no ano passado bateu em meio milhão. A história do açúcar é a história da balança comercial e do consequente déficit cambial cubano. Daí o pagamento não em dólares, mas em charutos ou “outras moedas” ... Daí também o motivo pelo qual, se você excluir estrangeiros residentes, turistas, membros da elite partidária e militar, a carência é generalizada.
Imagine então um cidadão cubano sendo informado pelos órgãos de divulgação do estado de que seu país firmara acordo com o Brasil sobre trocas de tecnologia e de cooperação técnica em agricultura, pecuária, agroindústria, soberania e segurança alimentar e nutricional, mudas, bioinsumos e fertilizantes, agricultura de conservação, agricultura urbana e periurbana; produtos alimentares prioritários para consumo humano e animal, reprodução de espécies agroalimentares prioritárias; uso eficiente da água, cadastro e gestão da terra e abastecimento agroalimentar. E mais biotecnologia, bioeconomia, biorrefinarias, biofabricação, energias renováveis, ciências agrárias, clima, sustentabilidade, redes de ensino e pesquisa (*).
Não sei se está previsto, mas se em tudo isso e em outros convênios também firmados, não ligados à produção de alimentos, o Brasil enviar cheque, pode escrever aí: vem charuto.
*Condensado de matéria da Agência Brasil – EBC, íntegra em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-09/brasil-assina-acordos-de-cooperacao-em-varios-setores-com-cuba.