Por J.R.Guzzo
O Brasil e os brasileiros sabem perfeitamente, há anos, que há censura à liberdade de expressão neste país, e que isso é ilegal – viola diretamente o artigo 5º da Constituição Federal. Não é possível recorrer à Justiça em busca de proteção contra esse desrespeito flagrante à lei e aos direitos constitucionais do cidadão, porque quem executa a censura é a própria Justiça. Mais. É o Supremo Tribunal Federal, nada menos que a instância máxima do sistema judicial brasileiro – de modo que a pessoa não apenas é censurada, mas não tem a quem recorrer.
Aqui dentro, portanto, não há o que fazer a respeito. Mas uma aberração dessas, mais cedo ou mais tarde, teria de vazar para o conhecimento do mundo exterior; o STF não podia esperar que as ilegalidades que pratica continuassem eternamente desconhecidas fora do Brasil. Acabou vazando, é claro.
O primeiro problema estourou na Comissão de Justiça da Câmara dos Deputados dos Estados Unidos, onde o STF em geral, e o ministro Alexandre de Moraes em particular, acabam de ser denunciados como infratores das leis e da Constituição do seu próprio país. Nunca tinha acontecido nada como isso. A lembrança mais parecida é o entrevero em torno do desrespeito aos direitos humanos no Brasil, durante o regime militar.
O governo americano cobrou e a ditadura militar brasileira ficou zangada – não podia admitir, segundo se disse na ocasião, “interferências estrangeiras” em “questões internas” do Brasil. Agora os deputados americanos estão expondo ao mundo a face oculta do regime brasileiro: uma ditadura judicial que persegue adversários políticos com censura, polícia, multas, bloqueio de contas bancárias e prisões.
O detonador disso tudo foi Elon Musk, o controlador do Twitter, com a desavença pública que teve com Moraes a respeito das pressões e decisões ilegais do STF para suprimir perfis e postagens da plataforma. Musk não é um dos perseguidos-padrão do ministro – é Elon Musk, e confrontos com ele não podem, simplesmente, ficar restritos ao Brasil. Não ficaram, é óbvio.
O proprietário do atual X, como o Twitter passou a ser chamado, foi solicitado pela Câmara americana a entregar informações sobre a censura sofrida pela plataforma por parte do STF. O resultado imediato foi a divulgação nos Estados Unidos, e daí para o mundo, de 88 decisões da Justiça superior brasileira ordenando a censura em perfis do X – cerca de 300 contas, incluindo as de deputados em exercício dos seus mandatos.
Nem o ministro Moraes nem o STF, é claro, serão afetados em nada. Contam, por sinal, com o apoio intransigente do governo, da extrema esquerda e de quase toda a imprensa brasileira para continuar fazendo o que fazem. A censura nas redes sociais, na verdade, é hoje uma das grandes causas ideológicas do “campo progressista”: a “democracia”, pregam eles em voz cada vez mais alta, está sendo ameaçada pela liberdade de expressão.
É indispensável, a seu ver, impor a censura ao Brasil – apresentada como “regulamentação” das redes sociais. Ali, segundo dizem, a liberdade estabelecida na Constituição está sendo “usada” para publicar “notícias falsas, desinformação e discursos do ódio”. Ninguém, aí, está interessado na verdade, na precisão e na virtude. O que querem todos eles, governo, STF e a esquerda, é calar as vozes dissidentes. Agora terão de fazer isso cada vez mais na frente de todo o mundo.
Por Roderick Navarro, político venezuelano exilado no Brasil desde 2017 por ordem de arresto do régime de Nicolás Maduro.
Nos regimes autoritários, a censura não é um erro: é o primeiro tijolo de uma engrenagem construída para esmagar a dissidência. Onde há censura, há perseguição. Onde há perseguição, há tortura. Os tiranos, obcecados em se manter no poder, não se contentam em ocupar o trono: acreditam ser deuses. Proclamam-se justos, infalíveis, a voz do povo. Mas, para sustentar essa fantasia divina, precisam silenciar aqueles que gritam a verdade: que o rei está nu.
A censura precisa de executores. No Brasil, esse papel tem sido assumido, com frequência preocupante, por juízes e autoridades que se arrogam o poder de decidir o que é verdade e o que é mentira, o que é permitido e o que é perigoso. As instituições, que deveriam proteger os cidadãos, tornam-se instrumentos de repressão a serviço do poder. Um exemplo recente é a ordem do Supremo Tribunal Federal (STF), em janeiro de 2025, que bloqueou as redes sociais da Revista Timeline — fundada pelos jornalistas Luís Ernesto Lacombe e Allan dos Santos — sem qualquer explicação pública clara. As contas da revista no X, Instagram e YouTube foram removidas. Lacombe denunciou o episódio como um ataque à democracia: “Por quê? Não disseram. Que bela democracia temos…”
Outro caso alarmante foi a cassação do mandato da deputada federal Carla Zambelli, também em janeiro de 2025, pelo Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo, após ela questionar o sistema eleitoral. Mais de 946 mil votos foram anulados. O senador Jorge Seiff classificou a decisão como uma “perseguição clara, óbvia e absurda” contra a direita. E esses não são casos isolados: o exílio do jornalista Oswaldo Eustáquio, perseguido por denunciar abusos de poder, e o bloqueio do X no Brasil em 2024 por ordem judicial — sob a acusação de permitir “desinformação” — são sinais de uma censura que já não choca: está se normalizando.
No início, silenciar alguns poucos é suficiente para intimidar muitos. Mas em sociedades onde ainda há quem ouse falar, a censura seletiva torna-se insuficiente. Então o regime avança: não cala apenas alguns, cala todos. No Brasil, vozes da resistência têm denunciado essa escalada autoritária, mas os tiranos possuem uma arma ainda mais eficiente do que a censura: a economia. Como advertiu o economista Roberto Campos, defensor do liberalismo e crítico feroz do autoritarismo: “A liberdade morre quando o Estado controla os meios de produção e as mentes.” Campos, que combateu a burocracia e o intervencionismo, alertou sobre o perigo de um Estado que sufoca a liberdade econômica para dominar a sociedade.
E é isso que vemos hoje: aumento dos gastos públicos, impostos sufocantes, desvalorização da moeda e obstáculos crescentes ao empreendedorismo. Quando as necessidades básicas — comida, moradia, segurança — estão ameaçadas, a liberdade de expressão vira luxo. O cidadão, exausto pela luta diária, esquece o dissidente preso.
A censura, no entanto, não é o fim, mas o meio. É a antessala da violência cruel e impiedosa. Uma vez desmobilizada a oposição, o regime avança para a perseguição em massa: um preso político torturado, um líder exilado, uma família encarcerada pelas ideias de um dissidente… No Brasil, a normalização dessas práticas representa uma ameaça concreta. Segundo o World Justice Project, em 2025 o país ocupava a 80ª posição entre 142 nações em imparcialidade judicial — à frente apenas da Venezuela. Quando a justiça se politiza, a censura não é um instrumento de “proteção institucional”: é uma arma contra os opositores.
Essa estratégia, herdeira das piores tradições leninistas, só pode ser derrotada pela força de um povo organizado. Uma cidadania ativa, disposta a apoiar líderes corajosos, pode frear a tirania. Mas se a censura avança, a economia colapsa e a resistência se fragmenta, o futuro será sombrio. Os líderes da oposição acabarão reduzidos a migalhas de poder ou, pior ainda, na prisão ou no exílio.
O Brasil está diante de uma encruzilhada. A censura não é apenas um ataque à imprensa ou aos políticos da oposição: é um ataque a toda a sociedade. As forças políticas — dos partidos aos movimentos civis — não podem cruzar os braços nem assistir, passivamente, ao povo se degradar enquanto fecham “acordos”. Tiranos gostam de escrever o desfecho das histórias. Resta torcer para que, desta vez, não o façam com o sangue dos brasileiros.