Por Pedro Jobim
Durante a campanha eleitoral de 2022, o atual presidente defendeu a revogação da Reforma Trabalhista; a adoção de metas de crescimento pelo Banco Central; e a reativação dos empréstimos do BNDEs como instrumento de fomento ao crescimento. Propôs, também, o fim da política de apreçamento a mercado dos combustíveis vendidos pela Petrobrás, e advogou, também, o fim do teto de gastos, que chamou de “estupidez”. Estas propostas estão alinhadas às práticas implementadas pelo PT ao longo dos treze anos de seus governos, que culminaram com a queda de quase 7% do PIB e a elevação de 8pp da taxa de desemprego, entre 2015 e 2016.
Não deveria surpreender ninguém, portanto, que nestas primeiras semanas de mandato, o governo tenha anunciado, após a aprovação da PEC da gastança, ainda em 2022, medidas que refletem as indicações feitas durante a campanha, além de muitas outras, coerentes com o discurso do PT e com o passado do partido, de acordo com o que alertamos há cerca de um ano, neste artigo. Algumas destas medidas são o programa de valorização do salário mínimo – cujo valor, para 2023, recentemente anunciado, de R$ 1320, representa um aumento real de aproximadamente 3%; a recomposição salarial do funcionalismo; o fim do programa de privatizações, que inclui o cancelamento da concessão do porto de Santos à iniciativa privada, e até mesmo a busca da reestatização da Eletrobrás; a volta de nomeações políticas para o comando de empresas estatais, com a provável mudança na respectiva lei; a volta de empréstimos do BNDEs para países alinhados ideologicamente ao governo; a reforma da TLP, para que o “custo dos empréstimos do BNDEs seja reduzido”; o anúncio da constituição de um “Eximbank” – como se a ausência de crédito governamental esteja representando um impedimento para o crescimento das exportações e das importações do Brasil, cujo valor combinado aumentou, nos últimos 4 anos, cerca de 40%. Mais recentemente, o governo disparou uma campanha contra o Banco Central, com o objetivo de coagi-lo a reduzir a taxa de juros, independentemente das circunstâncias e da conveniência deste movimento. E, claro, pouco se importando para o fato de que a autarquia, desde 2021, goza de autonomia prevista em lei. A violência verbal gratuita teve, conforme esperado, apenas os efeitos deletérios de elevar as expectativas de inflação, e de levantar alguma dúvida sobre a função de reação do Banco Central.
Nos últimos dias, para complementar a reoneração da PIS/Cofins sobre os combustíveis, o governo anunciou a cobrança de um imposto sobre as exportações de petróleo. Entre todas as opções disponíveis para aumentar impostos, essa é muito provavelmente a mais desastrosa, do ponto de vista de eficiência e distorção econômica – este foi um dos mecanismos utilizados pela Argentina, por exemplo, para asfixiar seu setor agrícola e dele extrair o máximo de recursos possível, com as tristes consequências conhecidas. Se este imposto for instituído para outros setores exportadores, como proteínas animais e mineração, o potencial de destruição de oferta a médio prazo, redução no saldo comercial, e desorganização econômica associados podem ser imensos.
Devemos, também, esperar para breve a alteração dos estatutos da Petrobrás, que permitirá à empresa deixar de exercer a paridade dos preços de seus produtos com o mercado internacional, voltando à prática comercial dos 13 anos anteriores a 2017. O governo também anunciou que a Petrobrás voltará a investir em refinarias, e na compra de participações em outras empresas.
Durante os governos anteriores do PT, a prática de preços inferiores ao de mercado; investimentos na casa de dezenas de bilhões de dólares em refinarias superfaturadas e até hoje inconclusas, como Abreu e Lima e Comperj (iniciadas durante o governo Lula), ou de plantas sucateadas, como a de Pasadena, levaram à descapitalização da empresa. Seus recursos foram sangrados ao ponto de a mesma não ter condições de honrar a data de publicação de diversos balanços, entre 2015 e 2016.
A Petrobrás estava, àquela altura, praticamente quebrada. Como não tinha lucro, não pagava dividendos, e pouco contribuía para a arrecadação de impostos.
Posteriormente saneada, a empresa reduziu enormemente sua dívida, e pagou, em 2022, em dividendos, cerca de R$ 230 bilhões a seus acionistas, o maior dos quais é o governo federal - que recebeu R$ 56 bilhões. Além disso, recolheu R$ 111 bilhões em royalties, e mais de R$ 220 bilhões em impostos aos governos federal e estaduais. Os recursos transferidos pela Petrobrás, sadia, ao setor público, em 2022, chegaram a um montante próximo a R$ 400 bilhões - ou 4% do PIB. A empresa contribui, desta forma, obviamente, muito mais para o crescimento da economia, e para o equilíbrio fiscal do país, do que na situação anterior.
Na sequência prevista de más políticas econômicas, neste mês de março, o Ministério da Fazenda deve divulgar o tão esperado novo “arcabouço fiscal”, que substituirá o teto de gastos. Em vigor desde 2016, o teto de gastos garantiu a estabilidade das despesas do governo federal nos últimos anos. Graças à sua observância, o governo anterior foi o primeiro a entregar a seu sucessor, nas últimas quatro décadas, um nível de despesa como proporção do PIB menor do que o recebido de seu antecessor. Também numa comparação internacional o teto de gastos mostrou seu valor. No período entre 2019 e 2022, em que todos os governos expandiram seus gastos, em função da pandemia, a dívida bruta do país caiu de 75% para 73% do PIB, contra elevação média de 9pp registrada na média das grandes economias*.
O governo já se comprometeu com políticas de valorização do salário mínimo – unidade que, na prática, indexa as receitas da previdência social - e com recomposições salariais para o funcionalismo. Juntas, as despesas com pessoal e com previdência representam cerca de 65% do total das despesas do governo federal. Uma regra de correção do salário mínimo pelo PIB - em adição à inflação do ano anterior – facilmente colocaria a correção anual real dessa fração de despesas na casa de 1,5% (considerando crescimento real do PIB de 2%, e não contemplando o funcionalismo com aumentos salariais reais). Assim, mesmo se os 35% restantes da despesa não crescessem em termos reais, o total dos gastos já cresceria em pelo menos 1%, na mesma base.
Adicionalmente, outras reportagens sobre o assunto sugerem que a regra incluiria o crescimento de um grupo de despesas de custeio com o PIB per capita – que cresce, hoje, cerca de 0,7% a menos do que o PIB. Ou seja, se o PIB cresce 2%, o PIB per capita cresce 1,3%.
Despesas com saúde e educação compõem uma grande parcela dos gastos de custeio. Em linha com o discurso do governo de que gastos com saúde “não são gastos”, mas , sim, “investimento”, parece razoável imaginar que o governo tencione deixar constante em relação ao PIB per capita parte relevante da parcela dos gastos da porção de 35% do total a que nos referimos. E mais, é provável que algumas linhas de investimento sejam retiradas desta “meta” – obviamente para que possam crescer mais, e não menos, do que o agregado.
Considerando a evidente disposição do governo em ampliar os gastos, e observando os valores mínimos aqui discutidos, nos parece impossível que o arcabouço seja consistente com crescimento agregado das despesas primárias do governo inferior a 2% em termos reais, por ano - uma taxa maior do que esta, na casa de 2,5%-3,0%, nos parece mais provável. Mesmo o ritmo de 2% implicará no crescimento acelerado da dívida, considerando hipóteses realistas para o crescimento do PIB e a taxa real de juros..
Além disso, regras que prevejam a estabilidade de um grupo relevante de despesas em relação ao PIB são indesejáveis, e não deveriam ser objeto de consideração em qualquer regra fiscal séria. O motivo é simples. Chegada a recessão, a receita colapsa, e as despesas permanecem – o engessamento do orçamento no Brasil e a natureza social de despesas como saúde e educação, que constituem o grosso das despesas de custeio, inviabilizam sua eventual redução, quando chega a adversidade econômica. Este foi o motivo essencial do endividamento do país ter explodido, por ocasião da grande recessão de 2015-2016.
Mesmo diante disso tudo, o dito arcabouço ainda teria alguma utilidade, se houvesse limitação adicional relevante à despesa que fosse decorrente de eventual descumprimento da meta. As indicações disponíveis não sugerem que este seja o caso. Ora, a eficácia e a credibilidade do teto de gastos como âncora fiscal decorreram, em grande parte, do mecanismo disciplinador de sua observância, embutido no texto da emenda constitucional que o instituiu: em caso de descumprimento, ficavam vetadas, até o fim do exercício de retorno das despesas ao limite do teto, novos concursos públicos; reestruturações de carreiras que implicassem em aumento de despesa, e medidas que provocassem reajuste de despesa obrigatória acima da inflação – o que, na prática, vedava reajustes reais ao salário mínimo. Obviamente, mesmo uma fração apenas razoável destas restrições tem chances insignificantes de integrar o novo arcabouço – perspectiva que tende a tornar sua utilidade, que já seria baixa, praticamente nula.
Após o imposto sobre as exportações, qual será o próximo “equívoco” do governo Lula – para usar a terminologia preferida, mas um tanto inadequada, da maioria dos observadores da cena nacional? A lista de candidatos é gigantesca, e, pior, está sendo implementada em ritmo alucinante. Uma sequência provável envolve o retorno da pressão sobre o Banco Central em breve, assim que a iminente contração econômica materializar-se, a partir de quando, também, medidas como novas linhas de suporte a crédito, ampliação de gastos orçamentários, ou grosserias como o recém implementado imposto sobre a exportação de petróleo podem se multiplicar.
A economia do Brasil está tomando exatamente a mesma direção que trilhou durante os últimos anos da gestão anterior do partido – mas o percurso, desta vez, está sendo executado com determinação e velocidade muito maiores. O pais, envelhecido, endividado, e submetido à crescente insegurança jurídica, parece pronto a mergulhar num caminho de difícil retorno.