Por Percival Puggina
Durante três décadas contadas da redemocratização (1985), passando pela Constituinte (1988), até a eleição de Bolsonaro (2018), o pensamento conservador, assim como o liberal, estiveram emudecidos. Tal silêncio era quebrado apenas, aqui ou ali, por eventuais articulistas dispersos em veículos da “grande mídia”. Entre estes, se agigantou o inesquecível e emocionante Olavo de Carvalho, com sua extraordinária obra intelectual e pedagógica. O notável mestre tomou para si o encargo de formar, desde o exílio em Richmond, na Virginia, uma geração de intelectuais brasileiros.
Desde 1985, eu fui um daqueles articulistas dispersos. Escrevia para jornais e participava de programas de debates. Ao longo do período, quem queria me depreciar usava os adjetivos conservador e liberal como xingamento. Eu agradecia a observação, mostrava surpresa com o esquerdismo confessado pelo interlocutor e ia em frente.
O teatrinho das tesouras montado pelo PT e pelo PSDB, ou seja, por Lula e FHC, obstruiu a propagação e a organização de movimentos conservadores e liberais, disponibilizando à esquerda todo o tempo do mundo para submeter a nação ao pesadelo gramsciano – a hegemonia do espaço cultural. Simultaneamente, porém, as décadas de encenação proporcionaram o tempo de observação necessário para que a verdade fosse percebida, mesmo no denso nevoeiro das narrativas: levavam-nos aos portais do inferno descrito por Dante. Dezenas de milhões de brasileiros se descobriram conservadores, liberais, de direita!
Nesse momento, Bolsonaro emerge da cena política com meia dúzia de ideias cuja validade a nação reconheceu. A partir daí, como fogo morro acima, o povo o pôs nos ombros e o levou às ruas e à presidência.
Os anos subsequentes são de passado bem recente. Não é preciso rememorar os meios e os caminhos pelos quais os magos da esquerda – cartolas na cabeça, com prestidigitações, panos vermelhos, sigilos, coloridas explosões e baforadas de fumaça – restauraram sua hegemonia.
Hoje, sabemos que o Brasil é parte do grande teatro onde se desenrola a guerra contra o Ocidente. Toda uma cultura e civilização – não por acaso as mais elevadas que a humanidade já conheceu – está sob ataque. O inimigo não é externo, mas interno. Seu plano de poder precisa promover o suicídio do Ocidente, com a morte de seus princípios e valores fundantes! O confronto é cultural, é político e se trava por humanidade, liberdade e democracia.
Quem comanda o que está em curso não quer que você perceba. Quer você submisso na senzala. Não o quer ciente e consciente, tendo a audácia de se posicionar contra progressistas, iluministas, socialistas, comunistas, Nova Ordem Mundial ou lá o que for que se reúna nas Casas Grandes da Praça dos Três poderes. Ou em Davos.
A oligarquia brasileira, embora não tolere apaziguamento e despeje discursos de ódio e xingamentos aos microfones, condena a polarização como se não devesse haver confronto ao que está em curso. Mas é disso que necessitamos! Só a polarização bem definida e só o antagonismo esclarecido, atuante e organizado podem restaurar a democracia no Brasil. A polarização sadia é a chance da democracia!
Por Percival Puggina
Mas é infâmia de mais!... Da etérea plaga
Levantai-vos, heróis do Novo Mundo!
Andrada! arranca esse pendão dos ares!
Colombo! fecha a porta dos teus mares.
Castro Alves, Navio Negreiro
As perguntas que farei perturbam meu sono e são comuns ao cotidiano de milhões de cidadãos brasileiros. Como não ser assim, se a nação se dilacera e degenera, o sectarismo se empodera, a burrice impera, o crime prospera, a política se adultera, a Têmis se torna megera e os omissos somem ou dormem? Só eu acordo nas madrugadas pensando nesses motivos pelos quais 41% dos brasileiros (1), entre os quais 55% dos nossos jovens (2), só não desistem do Brasil por não terem condições financeiras de arrancar as folhas de um passado sem esperança e redigir seu futuro noutro lugar?
Os responsáveis por isso conseguem dormir? A nação se inquieta pela apatia de representantes omissos que tanto lhe custam. Como é insignificante, aliás, a relação custo/benefício, somados o mal que fazem e o bem que deixam de fazer! Como conciliam o sono e a culpa? A que destroços, a cupidez e a conveniência pessoal em condomínio com a injustiça reduziram tais almas? Elas simplesmente somem dos plenários quando, da tribuna, algum de seus pares lhes cobra pela apatia e a destruição das instituições!
No entanto, a realidade que vemos é sinistra. O Estado se agiganta perante a sociedade a que deveria servir. A juventude recebe uma educação de qualidade vexatória, últimos lugares nos rankings internacionais do PISA e da OCDE; a cultura nacional está degradada e o próprio QI dos brasileiros, por falta de estímulos, pode estar em regressão. Há décadas, os discípulos de Paulo Freire controlam e tornam cada vez mais sectária a educação nacional, transformando-a numa fábrica de ignorantes miseráveis, com as bênçãos do Estado. Quem escapa dessa máquina de moer cérebros prospera e vira réu no tribunal da desigualdade!
Resultado: chegamos a setenta e cinco milhões de seres humanos dependendo da assistência social do Estado. Do Estado? Sim, sim, o ente causador de todo esse mal aceita sem qualquer constrangimento posar de benfeitor. A pergunta que poucos fazem é: “Se o culpado não for o Estado, quem haveria de ser?”. Certamente a culpa não pode ser imputada a quem decide investir, correr riscos, gerar empregos, pagar salários e ser extorquido com impostos, taxas, contribuições. Essa pergunta derruba século e meio de mentiras sobre os sucessos do socialismo.
Eu quero o meu país de volta! Eu o vi antes, imperfeito, mas humano. Não era uma Suíça, mas era um país amável. O Brasil tinha boa reputação. Hoje é um país de má fama. Eu o quero moderno, mas com aqueles bens do espírito e naquele ânimo nacional que se comoveu e se moveu solidário quando as águas cobriram o abismo no Rio Grande do Sul. Eu quero de volta a energia inusitada que, durante oito anos, saudoso do “meu Brasil brasileiro, mulato inzoneiro”, me levou para cima dos carros de som a verberar corruptos, defender a liberdade e resistir à perdição de uma nação.
Impossível não evocar os versos finais de Navio Negreiro, esbravejados por Castro Alves, se vejo avançar o poder da Casa Grande, a se refestelar em folguedos e extravagâncias, enquanto garroteia direitos de cidadãos outrora livres.
(1)
https://www.cnnbrasil.com.br/politica/polarizacao-politica-41-dos-brasileiros-mudariam-de-pais-se-pudessem-diz-quaest/
(2)
https://g1.globo.com/economia/midia-e-marketing/noticia/2022/08/17/55percent-dos-jovens-brasileiros-deixariam-o-pais-se-pudessem-diz-pesquisa.ghtml