Artigo do Pensador Mateus Bandeira
Seria preciso ser muito ingênuo ou nefelibata para crer que o Judiciário sempre age com imparcialidade e que a política nunca entra nos luxuosos e dispendiosos palácios das cortes. Havia, no entanto, um esforço para preservar as aparências. Aparentemente, este pudor estiolou-se.
Como corolário do perigoso e pernicioso ativismo judicial, a Corte Suprema instalou, de ofício, o inquérito 4781 – de alcunha “das fake news”. Com ele, caiu o véu roto e emborralhado que tentava dar aparência de seriedade, imparcialidade e compromisso do STF (Supremo Tribunal Federal) com a justiça.
Doravante, difícil será acreditar em juízes imparciais. E não é necessário ser versado em direito para chegar a esta conclusão.
Quem julga não acusa, quem acusa não julga
Princípios basilares de justiça, que antecedem o Direito, foram maculados com a instalação do inquérito 4781. O mais elementar deles foi estilhaçado: quem julga não acusa, quem acusa não julga.
Elementar. Se eu estou acusando alguém, como posso julgar este indivíduo? Ora, se acuso é porque quero a condenação.
Sob o pretexto de investigar ameaças a seus integrantes, o presidente da Corte instaurou um inquérito e nomeou o juiz. Que tal, leitor, se, da próxima vez que te sentires ameaçado, instaurares um processo contra o suspeito e decidires a sentença?
Só esta barbaridade seria suficiente para detonar o inquérito, considerando-o inconstitucional. Mas há mais.
O juiz do inquérito nunca poderia ter sido escolhido a dedo, como aconteceu, mas sorteado. Caso o sorteado tivesse sido o juiz Marco Aurélio Mello, único a considerar o inquérito inconstitucional, a ação poderia ter sido arquivada.
O ministro do STF, Marco Aurélio Mello, foi o único a votar contra o inquérito das fake news
Além disso, os réus não eram notificados e não tinham acesso ao processo. A investigação jamais poderia ser de iniciativa da própria Corte. Como disse Marco Aurélio, o Judiciário é um “órgão inerte. Há que ser provocado para atuar. Não pode a vítima instaurar inquérito”. Nada mais parecido com a obra de Franz Kafka.
Cachimbo e boca torta
Como há muito os magistrados da Corte Máxima vêm abusando de seu poder sem reação à altura – com exceção de um grupo de senadores e de parte da população, desiludida com a injustiça e o fausto que graça nas altas cortes do Judiciário -, os ditos ministros ultrapassaram mais um limite. Ignoraram a imunidade parlamentar e violaram os direitos de deputados e senadores.
Atenção. Sou contra o foro privilegiado. Todos devem ser iguais perante a lei. Há, porém, uma prerrogativa que deve ser inalienável aos membros do Congresso Nacional: o direito à palavra e à livre expressão. Seus votos e opiniões não podem, numa democracia, ser conspurcados.
Aliás, numa democracia, a liberdade de expressão deve ser valor absoluto. Na nossa, promulgada em 1988, este direito está expresso no artigo 5º em mais de um inciso.
Tu ainda acreditas no STF?
A mensagem autoritária do inquérito 4781 à sociedade é: “Nós, ministros do Supremo, não podemos ser criticados”. Por não gostarem das queixas legítimas dos cidadãos, parte delas merecidas, acusam, prendem, invadem residências, censuram a imprensa, usam a Polícia Federal como sua segurança particular e não dão ciência ao Ministério Público – este, sim, com a prerrogativa constitucional de acusar.
O presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Dias Toffoli, e o presidente da República, Jair Bolsonaro – Foto: Marcos Corrêa/PR
Aqueles que apoiam as medidas dos integrantes do STF devem se lembrar que, hoje, a ação se volta contra o presidente Jair Bolsonaro e seus apoiadores. Amanhã, o alvo pode ser outro. Pau que bate em Chico bate em Francisco.
Fato é que o STF e seu inquérito que pode tudo contra todos está colocando em risco a liberdade de expressão. O que me faz lembrar dois vídeos que gravei e alcançaram grande repercussão nas redes sociais.
Um deles tinha como título “Tu acreditas no STF?”. O outro, “Nas teta$ da INjustiça”.
Neles, usei meu direito democrático e constitucional de criticar a Corte Máxima. Hoje, penso, aquelas críticas não foram tão severas, pois vieram antes da extinção da prisão em segunda instância (que favorece ricos e poderosos já condenados) e das lagostas e vinhos de grife bancados com dinheiro da Viúva.
Se se derem ao trabalho de lerem este artigo e assistirem aos dois vídeos, penso que corro o risco de ser arrolado no inquérito das fake news. Afinal, com a ação surreal, o STF decretou que é proibido criticar as excelências togadas.
Assim, caso eu pare de escrever e me manifestar, uma hipótese é a de que fui abduzido por um juiz supremo, que não gosta de ser contrariado. Parece piada, mas, se nada fizermos, o Poder Judiciário, que já é tremendamente poderoso, vai se tornar um Poder acima dos demais.
Não poderemos mais dizer que eles julgam quando, se e o que quiserem, sem nenhuma fiscalização. Assim, uma ação de precatório pode ser julgada após a morte da vítima. Se for julgada.
Os altíssimos e indecentes salários do Judiciário, que extrapolam o teto constitucional, não poderão ser divulgados. As inúmeras mordomias que se autoconcedem, como o vergonhoso auxílio-moradia, passarão a ser sigilosas.
As cada vez mais frequentes invasões de competência nas decisões exclusivas do Executivo, como a nomeação de ministros e assessores, e do Legislativo, como a legislação do aborto e a definição de medidas de combate à corrupção, se tornarão cotidianas. Parece absurdo?
Hora dos sem-toga agirem. A começar pelo Senado
Pois pareceria impensável há pouco tempo imaginar o STF acusando, julgando e prendendo ao mesmo tempo, tudo de forma sigilosa.
Fica claro por este artigo que não vou me acovardar. Continuarei criticando qualquer autoridade pública, paga com o nosso imposto, que extrapolar suas prerrogativas, desviar recursos públicos, atentar contra a democracia e agir na aparente legalidade, mas de forma imoral. Tem e terá meu repúdio e minha denúncia.
Sou cidadão, não um pária. Não me considero menor do que os juízes porque não uso toga. Como apontou com visão de cidadania Rui Barbosa, “a pior ditadura é a ditadura do Poder Judiciário; contra ela, não há a quem recorrer”. É disto que se trata o inquérito 4781.
A pandemia fez adormecer as barbaridades perpetradas pelos ministros supremos, como a prescrição de crimes praticados por poderosos e as liminares ultrarrápidas em favor de prediletos. É hora de retomar esta batalha.
Davi Alcolumbre, presidente do Senado Federal
Além de não nos calarmos, é preciso retomar a campanha pela CPI da Lava-Toga. E, ao mesmo tempo, pressionar o presidente do Senado, Davi Alcolumbre, para que cumpra seu papel constitucional e dê andamento aos pedidos para processar ministros do STF por crime de responsabilidade.
Cabe exclusivamente ao Senado processar e julgar os integrantes da Corte Suprema. Não se está pedindo ao presidente do Senado que prenda os ministros, como estes fizeram contra críticos que consideraram suspeitos. Mas que abra os processos de impeachment e instale a CPI. Certamente o Legislativo, cujas Casas são abertas ao escrutínio popular, não agirão como os supremos togados.
Ou juízes do Supremo estão acima da lei? Se a resposta for sim, resta parafrasear um coronel dos tempos da ditadura militar: “às favas a justiça”.
Por Paulo Rabello de Castro - Publicado originalmente no jornal Estado de Minas, em 11/03/2023.
Matérias técnicas e, por natureza, complexas exigem exame aprofundado e testes sucessivos antes de uma aprovação. Vacinas são um bom exemplo recente. Todo cuidado foi pouco – e muitos ensaios prévios foram necessários – antes de se aprovar a vacina da COVID para uso geral da população. E os estudos ainda continuam. Mas, tragicamente, estamos para votar no Congresso um texto que muda os atuais tributos sobre o consumo (ICMS, ISS, IPI, PIS e Cofins) – matéria complicada e cheia de meandros – sem os mínimos cuidados de verificação antecipada das consequências dessa mudança para um imposto geral chamado IBS (Bens e Serviços) e mais um imposto “seletivo”. Se você quiser saber quais testes foram feitos para estudar os impactos que essa troca acarretará, a resposta espantosa é: Não há testes!
A proposta em discussão no Congresso está nas chamadas PECs 45 e 110, dois textos que reformam a tributação de tudo que você paga em qualquer transação comercial, seja uma compra em supermercado ou loja de construção, ou pelos serviços médicos, pela escola, na passagem de ônibus, na conta de luz, no posto de combustíveis etc. Em tese, a ideia é boa porque os tributos atuais são demasiados e com, pelo menos, 5600 leis diferentes. Vivemos num manicômio tributário. Daí o Congresso ter criado, anos atrás, um SIMPLES, que é a mesma tributação do manicômio, só que menos complicada e se pagando tudo num único boleto. Simplificar a vida do contribuinte, tornando a arrecadação mais eficiente, são objetivos corretos de uma “boa reforma tributária”. Isso é urgente.
O diabo mora nos detalhes: como chegar a uma fórmula simples, que não deixe prefeitos e governadores sem as receitas esperadas e que não signifique, na troca de tributos, que haverá grupos de pessoas, ou atividades econômicas, pagando muito mais do que antes. A boa reforma tem que partir de uma neutralidade e equidistância social em relação às situações vigentes, pois, caso contrário, os eventuais perdedores iriam se insurgir contra a mudança. Esse é um ponto-chave do sucesso de uma boa reforma, que as tais PECs 45 e 110 fazem questão de não observar. De fato, as propostas do governo fazem o contrário: propõem aumentar o custo tributário da cesta básica em mais de 60%, como também, em proporções parecidas, os tributos sobre remédios, médicos e hospitais, cursos e escolas, corte de cabelo, manicure, advogados, e até em transações de carros e motos usados, terrenos e casas. O diabo está escondido por trás de uma narrativa fake de que todos ganharão com a mudança quando todos pagarem a mesma e única alíquota de 25% ou mais (não se sabe ainda qual…) independente de a compra ser a de um carrinho de supermercado ou uma bolsa Louis Vuitton no shopping mais chique de São Paulo.
Os inventores dessa atrocidade tentam tratar, de modo igual, coisas e situações essencialmente desiguais, atropelando princípios, até constitucionais, como a chamada “essencialidade”. Mas o diabo é sincero. Reconhecendo que a população mais pobre vai levar a pior com o aumento brutal de tudo que entra no seu orçamento, a proposta do governo, que se diz popular e sensível com as dificuldades do povo, é fazer um cheque “devolvendo” o tributo de quem não poderia arcar com uma sobrecarga de até 30% nas suas compras. O governo em Brasília dirá quem pode receber a devolução. Mas por que esse passeio de tributos para dentro e para fora dos cofres do governo? Serão milhões de brasileiros correndo atrás de mais uma “bondade” oficial, mais uma devolução, mais uma assistência, como se o País só tivesse desvalidos. O lugar de fazer os ricos e abastados pagarem mais não é no supermercado ou no salão de beleza, mas no imposto de renda, cuja reforma, por sinal, o governo deixou pra lá…
Os problemas das PECs das arábias não param de ser desvendados. O período de “transição” da tal reforma, previsto para durar dez anos, é uma dessas bombas: os tributos antigos ainda existirão, enquanto os tributos novos estarão também em vigor por até dez anos! O inferno vai se instalar nos escritórios de contabilidade, hoje já assoberbados por milhares de leis e decretos diferentes. As infrações fiscais vão se avolumar com dois sistemas tributários distintos funcionando lado a lado (a maluquice programada). Multas e ações contra o contribuinte vão se empilhar na porta das empresas. É previsível que, à vista do pandemônio fiscal, o Congresso faça o que fez com a CPMF, votando, no futuro, para extinguir a invenção malfadada.
Está mais do que na hora de a sociedade, especialmente o empresariado, os líderes políticos de estados e municípios, pararem um minuto para pensar no que estão deixando seus representantes aprovar nos próximos dias. Uma vez instalado e morando de favor, o diabo não costuma gostar de ser expulso da casa.
Texto do jornalista (J.R. Guzzo, publicado no jornal O Estado de S. Paulo
O presidente Lula está armando o que pode vir a ser o maior escândalo em toda a história do Poder Judiciário do Brasil — a nomeação do seu advogado pessoal, Cristiano Zanin, para um dos lugares a serem abertos no Supremo Tribunal Federal. Ele ficaria lá até 2051, quando fará 75 anos e seria obrigado a se aposentar. Serão quase 30 anos como ministro do Supremo; Zanin, hoje, tem 47. Jamais, em qualquer ponto da existência do país, um presidente da República chegou a esse ponto de degeneração ao tomar uma decisão de governo. Na verdade, não há nenhum país sério em todo o mundo em que o chefe da Nação se rebaixe a fazer o que Lula, segundo o noticiário, está querendo — colocar na principal Corte de Justiça do Brasil um empregado que cuida dos seus interesses materiais e cuja independência em relação ao governo será igual a três vezes zero.
Por sua conduta prática, pelo que diz em público e pelas decisões que tem tomado, Lula mostrou nos últimos dois meses que tem tudo para fazer um governo de calamidades, o pior que o país já teve — sim, pior até do que o de Dilma Rousseff. Com essa história de Zanin, porém, ele vai além. Prova, aí, que está perdendo o controle sobre si mesmo e sobre as obrigações do seu cargo; mergulhou naquela zona mental sinistra onde os controles morais desaparecem e o indivíduo começa a ter certeza de que nada do que ele queira, absolutamente nada, pode lhe ser negado. O mundo exterior deixa de existir. Não há mais qualquer respeito pela opinião, pelos argumentos ou pela inteligência de ninguém. Não há, para Lula, nada que esteja fora dele e mereça a mínima consideração. Não entende que seu cargo envolva deveres — só tem desejos. Ele cismou, agora, que o seu advogado tem de ir para o STF; lá, naturalmente, deve continuar lhe prestando obediência. É a confusão definitiva entre questão pública e capricho pessoal. Ninguém faz uma insensatez dessas, salvo, talvez, em alguma republiqueta bananeira de terceira categoria.
http://https://revistaoeste.com/politica/o-maior-escandalo-do-judiciario-esta-em-andamento/