Por J.R. Guzzo, texto publicado na Gazeta do Povo
Carga tributária sobre os combustíveis pesa no bolso do consumidor e alimenta o alto custo do serviço público brasileiro.| Foto: Felipe Rosa/Tribuna do Paraná
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A demissão do presidente da Petrobras passou sem fazer muito barulho; aconteceu bem no meio da baderna judicial e legislativa em torno da prisão do deputado Daniel Silveira, e ninguém chegou a prestar muita atenção.
Ficou parecendo, até, que o governo aproveitou a gritaria e se livrou não do problema real que tem diante de si com os preços dos combustíveis, e sim do homem que o presidente Jair Bolsonaro escolheu como o culpado de tudo. Nada como um bom bode expiatório quando você não sabe resolver uma dificuldade e quer dar ao povo a impressão de que está “fazendo alguma coisa”.
A troca na Petrobras é um desastre não apenas porque a administração pública perde o excelente trabalho que vinha sendo feito há dois anos pelo presidente demitido, Roberto Castello Branco. Pior ainda que isso, a decisão mostra que o governo abandonou as motivações técnicas e decidiu fazer política com o preço do diesel e da gasolina.
Bolsonaro acha que o preço dos combustíveis é fruto de desejos da diretoria da Petrobras, e não das variações do mercado internacional de petróleo; também parece achar que a política energética do Brasil deve ser feita pelos caminhoneiros. Não se pode esperar nada de bom disso aí.
O episódio comprova, mais uma vez, uma doença sem cura dos governos brasileiros: a incapacidade de aceitar as realidades econômicas quando se trata de combustível, e o uso dos preços para turbinar a sua popularidade nas pesquisas de opinião. O preço do tanque é um desses problemas que todo mundo percebe na hora, sobretudo os motoristas de caminhão. O poder público, incapaz de aguentar o tranco e assumir as responsabilidades que lhe cabem, fica imediatamente nervoso quando o custo aumenta – e corre para “baixar o preço”.
O governo, o mundo político e o resto da turma que manda agem, com hipocrisia histórica, como se a Petrobras fosse a única responsável pelo preço dos combustíveis. O monopólio da estatal é um atraso de vida, sem dúvida, mas na hora de encarar o problema ninguém diz – embora todos saibam muito bem – que o preço mostrado na bomba de diesel ou de gasolina é apenas a consequência matemática dos impostos de agiota cobrados do cidadão quando ele abastece seu carro, caminhão ou moto.
Ao todo, a cada real pago pelo consumidor, cerca de 45% vão direto para o bolso dos governos na forma de impostos de várias naturezas – sem esse dinheiro todo, como pagar a lagosta dos ministros do STF, os planos médicos das estatais e os salários de sultão do altíssimo funcionalismo público?
O governo nem sonha em diminuir os impostos sobre a gasolina, como não sonha em diminuir os impostos da conta de luz ou do celular – são coisas das quais o cidadão não tem como fugir, e nada deixa o poder público tão feliz quanto ver o cidadão indefeso diante de um imposto. Mesmo que sonhasse em fazer alguma coisa, estaria apenas perdendo seu tempo: o Supremo, o Congresso, a OAB e o resto jamais permitiriam que “o Estado” brasileiro recebesse um tostão a menos, porque jamais aceitariam reduzir um tostão daquilo que gastam.
Por Percival Puggina
Estava imaginando o que passou pela cabeça de um cidadão cubano quando tomou conhecimento da lista de convênios que Lula e sua comitiva assinaram com o governo de seu país na recente visita a Havana, espécie de Jerusalém do comunismo decrépito.
Há alguns anos, época em que muito debati com representantes dos partidos de esquerda, em especial membros de um muito ativo movimento de solidariedade a Cuba, ouvi deles que no Brasil existem miseráveis ainda mais miseráveis do que em Cuba. Eu os contestava dizendo que ninguém desconhecia a pobreza existente aqui, mas era preciso observar uma diferença essencial entre a situação nos dois países. Aqui, os pobres convivem com carências alimentares por falta de meios para adquirir alimentos; em Cuba, mesmo que o povo dispusesse dos meios, não teria o que adquirir porque a economia comunista, como se sabe, é improdutiva.
Esse é um dos motivos, dentre muitos outros, para que ninguém caia na balela de que o comunismo é bom para “acabar com a pobreza”. O que aconteceu com o setor açucareiro dá excelente exemplo. No final dos anos 1960, a URSS se dispôs a comprar 13 milhões de toneladas anuais de açúcar cubano, a partir da safra 1969/1970. O país produzia entre três e quatro milhões de toneladas, com tendência decrescente. Muitas atividades da ilha foram suspensas e comunistas do mundo todo foram trabalhar naqueles canaviais. Conseguiram sete milhões de toneladas.
Trinta anos mais tarde, quando fui a Cuba pela segunda vez, a safra 2002/2003 fora tão escassa que Cuba importava açúcar! Depois, a produção andou pela casa dos dois milhões de toneladas e no ano passado bateu em meio milhão. A história do açúcar é a história da balança comercial e do consequente déficit cambial cubano. Daí o pagamento não em dólares, mas em charutos ou “outras moedas” ... Daí também o motivo pelo qual, se você excluir estrangeiros residentes, turistas, membros da elite partidária e militar, a carência é generalizada.
Imagine então um cidadão cubano sendo informado pelos órgãos de divulgação do estado de que seu país firmara acordo com o Brasil sobre trocas de tecnologia e de cooperação técnica em agricultura, pecuária, agroindústria, soberania e segurança alimentar e nutricional, mudas, bioinsumos e fertilizantes, agricultura de conservação, agricultura urbana e periurbana; produtos alimentares prioritários para consumo humano e animal, reprodução de espécies agroalimentares prioritárias; uso eficiente da água, cadastro e gestão da terra e abastecimento agroalimentar. E mais biotecnologia, bioeconomia, biorrefinarias, biofabricação, energias renováveis, ciências agrárias, clima, sustentabilidade, redes de ensino e pesquisa (*).
Não sei se está previsto, mas se em tudo isso e em outros convênios também firmados, não ligados à produção de alimentos, o Brasil enviar cheque, pode escrever aí: vem charuto.
*Condensado de matéria da Agência Brasil – EBC, íntegra em https://agenciabrasil.ebc.com.br/internacional/noticia/2023-09/brasil-assina-acordos-de-cooperacao-em-varios-setores-com-cuba.