SISTEMA PARLAMENTARISTA
Da mesma forma como se diz que as CRISES são os melhores momentos para OPORTUNIDADES, neste complicado momento político do Brasil esta máxima deveria ser bem aproveitada para mostrar as reais e inequívocas vantagens que o SISTEMA PARLAMENTARISTA mostra na comparação com o SISTEMA PRESIDENCIALISTA.
VANTAGENS
Ainda que este debate não seja novo, o fato é que neste momento esta OPORTUNIDADE se revela como extremamente positiva para deixar claro o quanto o PARLAMENTARISMO contribuiria para reduzir substancialmente as CRISES que, dia sim dia também, se fazem presentes nas relações entre os PODERES da República.
SÉRIE DE TEXTOS
Pois, com o firme propósito de levar o máximo de ESCLARECIMENTOS possíveis sobre as VANTAGENS oferecidas pelo PARLAMENTARISMO inicio uma série de textos produzidos por três estudiosos advogados que vem se dedicando exaustivamente sobre este importante tema:
-Ives Gandra da Silva Martins, advogado, professor emérito da Faculdade de Direito da Universidade Mackenzie e membro da Academia Brasileira de Filosofia;
-Marcelo Schenk Duque, Doutor em Direito do Estado pela UFRGS e Professor da ESMAFE/RS, onde exerce a coordenação da matéria de Direito Constitucional; e
-Antônio Augusto Meyer dos Santos, advogado especialista em Direito Eleitoral.
PARLAMENTARISMO PARA O BRASIL
Eis aí o primeiro texto, assinado pelo advogado Antônio Augusto, - PARLAMENTARISMO PARA O BRASIL -:
Sete constituições federais. Nove governos autoritários. Três períodos ditatoriais. Dois Impeachments. Seis dissoluções do Congresso Nacional. Um atentado à faca. Vinte rebeliões militares. Dezessete atos institucionais. Três presidentes impedidos de tomar posse e cinco depostos. Duas juntas militares. Doze estados de sítio. Um suicídio. Centenas de cassações, exílios e desaparecimentos. Três renúncias presidenciais. Cento e setenta e três deputados federais e oito senadores expurgados de seus mandatos entre 1964 e 1977. Extinção de partidos políticos. Fechamento de universidades e sindicatos. Censura à imprensa. Restrições de direitos individuais e políticos. Um presidente denunciado criminalmente duas vezes perante o Supremo Tribunal Federal. Um ex-presidente condenado e preso pela prática de crimes comuns. Dentre os eleitos diretamente, apenas quatro presidentes civis e um militar concluíram os seus mandatos nos últimos 93 anos.
Eis algumas aberrações do presidencialismo absolutista brasileiro. O saldo do sistema que jamais proporcionou estabilidade institucional prolongada ao país é vergonhoso. Evidentemente que não é razoável lhe atribuir uma totalidade pelos desvios ocorridos. No entanto, vale recordar que os propagandistas republicanos nunca preconizaram o presidencialismo. Antes pelo contrário. O Manifesto de 1870 calcou a sua argumentação no sistema parlamentar. O positivismo de Comte é que veio na garupa do golpe que baniu a monarquia e desvirtuou a proposta.
Não se diga que em países parlamentaristas não haja corrupção, irresponsabilidade, crises ou inflação. Há sim. A diferença é que neles tanto a legitimidade como a credibilidade para o exercício do poder são mais bem preservadas. Por quê? Porque primeiros-ministros lideram governos executando políticas públicas amplamente respaldadas e presidentes ou monarcas representam estados sem teias partidárias. A autonomia dessas funções, além de impedir uma concentração de domínios como ocorre no presidencialismo, é providência que valoriza a atividade fiscalizatória do parlamento. Enquanto nos governos de gabinete os desmandos e incompetências são defenestrados pela moção de desconfiança, nos presidencialistas o país tem que aturar a desidratação do mandato de quem venceu a eleição até que a próxima se realize.
O sistema parlamentarista está mais próximo da realidade. Reúne maiores chances de acerto perante os obstáculos. Reveste a democracia de mais qualidade. Absorve as crises de funcionamento do governo sem comprometer o desempenho e a legitimidade do regime e de suas instituições. Viabiliza a participação igualitária de homens e mulheres no poder. Permite uma intervenção concreta do parlamento no processo governamental.
O modelo presidencial instiga a rivalidade entre os poderes, o parlamentarista promove a integração. Aquele depende de alianças vacilantes, o outro se assenta em maiorias estáveis. Contudo, a vantagem mais eloquente do parlamentarismo é possibilitar que os governos considerados bons durem o tempo necessário e os duvidosos terminem antes do prazo. Melhor para o povo.
OPORTUNIDADE NA TRAGÉDIA
O segundo texto, do advogado Marcelo Duque leva o título -OPORTUNIDADE NA TRAGÉDIA: A NECESSIDADE DE REPENSARMOS NOSSAS INSTITUIÇÕES-:
Friedrich Nietzsche, em uma de suas famosas frases, afirmou que “o que não me mata, me fortalece”. Esse pensamento encontra muita proximidade com os dias atuais. A pandemia da Covid-19 deve servir de reflexão, já que mesmo as tragédias podem ser vistas como oportunidades para correção de rumos.
A disseminação do vírus não resiste a fronteiras, atinge ricos e pobres. Ainda que existam grupos hipervulneráveis, a humanidade foi atingida. É justamente sobre este ponto que devemos refletir. Medidas preventivas e repressivas, de caráter severo, são a única saída. Elas demandam custos extraordinários, do ponto de vista econômico, social, cultural e até mesmo psicológico. Portanto, urge compreender que não há mais espaços para a manutenção de um sistema político arcaico, que é eficaz em consumir recursos, porém ineficaz em trazer bons resultados, bem como de um Estado perdulário, destinado a garantir privilégios a grupos específicos, em detrimento da população.
Com relação ao primeiro aspecto, faço as seguintes considerações. Tomando como base as dificuldades do momento, é fundamental que se dirijam espaços para o aperfeiçoamento das nossas instituições. Enganam-se aqueles que acreditam que um país pode prosperar sem boas instituições. Elas são o sustentáculo das nações evoluídas e não podem ser tratadas com desdém. Digo isso, pois a democracia é uma obra em constante evolução e, não raro, gera incompreensões. Aliás, isto é facilmente perceptível nos tempos atuais. Começo apontando o seguinte aspecto: faz parte da democracia criticar aqueles que tripulam as instituições. Em um regime democrático, todos estão sujeitos a críticas, ainda que severas ou impiedosas. O que não se pode admitir, pois vai muito além do erro pelo eventual excesso de crítica ou de sua falta de correspondência com a realidade, é utilizar a democracia para acabar com as instituições. Esta é, a propósito, uma das principais fragilidades da democracia, que ao garantir a liberdade de expressão, como direito fundamental, acaba, muitas vezes, dando azo aos liberticidas, que são aqueles que usam da liberdade para, em seu nome, destruir a própria liberdade e os pilares das nações.
Este fenômeno é estudado com base na teoria da democracia militante (streitbare Demokratie), com forte desenvolvimento no contexto alemão, sobretudo a partir da experiência com o tratamento que as autoridades conferem aos partidos de extrema direita e/ou aos chamados discursos de ódio proferidos contra determinados grupos sociais, em atitude totalmente desfocada do pensamento liberal. Em apertada síntese, a doutrina da democracia militante defende que os poderes públicos, inclusive os tribunais, sejam dotados de competências e atribuições para, mediante o emprego de barreiras legais e jurídicas, defender a ordem democrática liberal contra aqueles que pretendam aboli-la. Ela parte da noção de que o jogo das forças políticas na democracia deve encontrar o limite no exato ponto onde os seus adversários buscam, utilizando-se dos meios postos à disposição pelo próprio regime democrático, eliminá-la (BVerfGE 5, 85). É imperioso que a democracia seja fortalecida ao ponto de poder se defender, fazendo também com que a Constituição mantenha sua força e efetividade. Centra-se na concepção de que não existe legitimidade para a instauração de um regime totalitário, ainda que esta ideia conte como o apoio desvairado de maiorias de ocasião.
É claro que como toda criação humana, esta doutrina pode vir a ser usada tanto para bem quanto para o mal. É fácil perceber que, caso levada a extremos, os poderes constituídos poderiam abusar de suas prerrogativas e competências para limitar a voz daqueles que proferem críticas compatíveis com a democracia e a ordem constitucional como um todo, em atitude equivalente à censura ou à intimidação. Todavia, com base na máxima de que não deve ser pelo temor do abuso que se deve simplesmente coibir o uso, não se pode prescindir da necessidade de fortalecimento da democracia contra aqueles que, deliberadamente, postulam pelo seu fim. Em suma, todo e qualquer discurso que vise ao aperfeiçoamento das instituições é bem-vindo e deve ser tolerado, ainda que não se concorde com as soluções propugnadas. Em sentido contrário, discursos que, de forma expressa ou dissimulada, visem ao fim das instituições essenciais do país, não devem ser tolerados, sob pena de se asfixiar a democracia e se ingressar na via, por vezes sem volta, do retrocesso institucional, que se pode até prever como começa, mas nunca como termina.
Este aliás, é um dos tantos pontos que merecem aperfeiçoamento na nossa ordem constitucional: uma noção mais clara do princípio da separação dos poderes. Vale dizer, o que, de fato, deve garantir e aquilo que muitas vezes é praticado em seu nome, sem que, contudo, esteja vinculado à nobre finalidade que o constitucionalismo liberal nos deixou de herança, que é a separação de poderes e funções no Estado para evitar o acúmulo de poder e, com isso, o arbítrio. Esta reflexão abre espaço para o segundo e derradeiro ponto.
Não raro, as notícias dão conta de abusos cometidos pelos poderes públicos. São exemplos a concessão de verbas indenizatórias em valores incompatíveis com os tetos remuneratórios constitucionalmente estabelecidos, excessos em veículos oficiais, transporte em jatos executivos ou viagens em primeira classe, refeições com ingredientes de luxo ou simplesmente acesso a benefícios materiais de todo o tipo. Em geral, grande parte dessas extravagâncias, financiadas com dinheiro do contribuinte, conta com o amparo da lei, com atos administrativos editados com presunção de legitimidade ou, em situações específicas, com interpretações controversas das normas, levadas à cabo justamente por parte daqueles que usufruem destes benefícios. Mais cedo, mais tarde, acabam sendo incorporados de uma forma ou de outra, sendo a sua remoção um desafio por vezes instransponível, por se blindarem na chamada cláusula constitucional do “direito adquirido”.
Tal quadro é típico de um Estado esbanjador, financiador de uma elite que age como uma monarquia dissimulada, em detrimento de setores prioritários, carentes de investimentos. Distanciam-se, nitidamente, do chamado bem comum ou do interesse público primário. É este o aspecto que destaco nestas linhas finais. Não há mais clima, tampouco fundamentos, para permanecer interpretando a cláusula constitucional do direito adquirido como apta à manutenção de privilégios de corporações. Da mesma forma, não há mais sentido interpretar o sagrado princípio da separação de poderes com um obstáculo à instauração de medidas corretivas que guardam correspondência com o princípio da moralidade administrativa. Um exemplo que demonstra esta realidade é a questão dos fundos eleitoral e partidário que, como se sabe, consomem bilhões de Reais. Quantas vezes a alocação dessas verbas, em detrimento de outros setores vitais, não é defendida com a máxima de que a democracia é muito importante para se mensurá-la em custo?
Ocorre que ninguém contesta que a democracia é fundamental e que deve ser preservada. Entretanto, situação muito distinta é defender um modelo que consome montantes financeiros que ignoram as prioridades essenciais da população. Dito de outro modo: pode se ter perfeitamente democracia, sem tornar a política uma atividade de custo bilionário, ponto que atrai outra interessante discussão, inerente ao aperfeiçoamento dos sistemas eleitorais e partidários, que guardo para oportunidade futura. Neste quadro, convém lembrar que quando o dinheiro flui com abundância, acaba-se construindo o terreno fértil para aproveitadores de todo o tipo, que por vezes ocupam o espaço de talentos vocacionados para o bem comum.
É bem verdade que, na prática, pode se tornar difícil diferenciar, de antemão, privilégio de direito, considerando a complexidade das funções que, necessariamente, justificam critérios distintos de tratamento e remuneração. É o que ocorre com conceitos abstratos: difícil definir o que são, mas relativamente simples dizer o que não são, frente à análise de situações concretas. Isto fica fácil de perceber quando se divulga que determinados grupos de funcionários públicos – minoria, porém muito dispendiosa e organizada – têm acesso a planos de saúde de fazer inveja a executivos milionários ou que, a título de uma ou outra combinação de atos administrativos, recebe, em um único contracheque, verbas que fariam inveja aos conhecidos milionários mundo afora. Esta descrição integra, ainda, a dificuldade de se conceber que nem tudo que é legal é, necessariamente, moral.
A questão é que enquanto remunerações e privilégios totalmente desfocados da realidade do país são bancados por verba pública, eles passam a ser assunto de Estado e não podem ser tratados, apenas e tão somente, pela discricionariedade dos poderes constituídos. O desafio é criar um mecanismo que aprimore o sistema de freios e contrapesos, sem que venha a se ferir a função constitucional de cada poder – a independência e autonomia indispensáveis à manutenção do Estado democrático de direito. Percebe-se que está mais do que na hora de cancelar privilégios de uma parcela de determinados setores públicos, como imperativo de um verdadeiro Estado republicano, que preza pelos valores da igualdade e da moralidade administrativa. O remédio, que pode ser amargo para alguns, mas necessário para a maioria, é redescobrir o verdadeiro sentido, dentro do bloco de constitucionalidade, da cláusula do direito adquirido. Há que se lembrar, pois oportuno, com base nos ensinamentos da Suprema Corte americana, que as garantias constitucionais voltadas à manutenção dos direitos devem ser juízo de permanente equalização, sob pena de se transmudar a Constituição em uma espécie de pacto suicida [suicide pact – Terminiello v. City of Chicago, 337 U.S. 1 (1949)]. Esta é a razão pela qual a sua interpretação deve ficar aberta ao tempo, garantindo a mobilidade necessária e a correção institucional que os reclamos de cada época exigem.
Encerro defendendo a ideia de que, como sugeri no título desta reflexão, mesmo as tragédias devem ser utilizadas como meio de aprendizado para viabilizar as correções necessárias. Está mais do que na hora de, sem perdermos o foco no presente, estabelecermos um projeto futuro, que proporcione meios para que o país possa enfrentar as duras consequências de ordem social e econômica que, inevitavelmente, irão advir a reboque da Covid-19, sob pena de as cicatrizes, que perdurarão após vencermos a pandemia, perderem o sentido.